Quando, em 2011, os Danger Danger aterraram no aeroporto de Lisboa pela primeira vez, estavam longe de imaginar o fenómeno de sucesso que tinham representado, ao longo de duas décadas, nestas costas do Atlântico, e o carinho que os aguardava no palco improvável do Casino Estoril. Afinal, o auge do género musical e da carreira da banda há muito que tinha passado e os Danger Danger não tinham, ainda, testemunhado o furor entusiástico que, felizmente, continua a ser imagem de marca do público português, reconhecido nos quatro cantos do mundo.
No rescaldo, o Palco Principal testemunhou uma noite de grandes emoções, que deu início a uma improvável relação entre os Danger Danger e Portugal. Em 2012, o vocalista Ted Poley voltou a passar por cá a solo e, no mesmo ano, no verão, como convidado especial da Festa Rock Em Stock com os Firehouse.
Na noite de sábado passado, 20 de setembro, não houve surpresas... Antes um reencontro aguardado e celebrado com pompa e circunstância. Banda, público e promotores sabiam com o que podiam contar: uma noite de grande energia e entrega de parte a parte, tendo como pano de fundo alguns dos temas mais emblemáticos do hard rock divertido e dançável, que tanto colorido trouxe à reta final da década de 80.
Os últimos meses têm sido de festa, com os Danger Danger a comemorarem 25 anos de carreira e do lançamento do seu álbum homónimo de estreia. Ao longo deste ano, está também a acontecer o improvável, algo que mesmo os músicos, há um ano atrás, não admitiriam como possível: uma reunião dos cinco elementos originais – acresce o guitarrista Andy Timmons (um dos melhores do mundo, com uma vasta carreira a solo) e o teclista Kasey Smith, atualmente retirado dos palcos. Um concerto nos Estados Unidos, vários espetáculos no Japão nas últimas semanas (onde continua a existir uma das maiores comunidades de fãs dos D2) e um concerto final, a encerrar a última edição do festival de culto Firefest, em Nottingham, Inglaterra, no final de outubro, completam a agenda.
Apesar de não ser possível trazer a formação original, a promotora nacional Remember Minds concretizou este regresso à Península Ibérica e proporcionou duas noites memoráveis com os Danger Danger, versão 2014 - uma em Madrid e outra em Lisboa, que atraiu, também, muitos fãs espanhóis e turistas europeus e americanos de férias no nosso país. O atual guitarrista, o sueco Rob Marcello, completou o quarteto, composto pelos membros originais Ted Poley (voz), Bruno Ravel (baixo) e Steve West (bateria).
Pouco faltava para a meia noite quando os Danger Danger subiram ao palco com toda a energia de "Crazy Nites", um verdadeiro hino às noites de sábado, recheadas de música, diversão e romance. Ideal para a última noite deste verão, o ritmo continuou com "Turn it On", que deu lugar a "Under the Gun", do primeiro álbum. Clássico atrás de clássico, o alinhamento foi repescando os principais sucessos da era Ted Poley, em particular dos dois primeiros álbuns, deixando de fora os trabalhos gravados com o canadiano Paul Laine (atualmente, com os Dark Horse) durante a década de 90 e princípios do novo milénio. Para alguma desilusão dos fãs, voltaram a faltar, também, temas de grande qualidade do último álbum da banda, "Revolve", de 2009, (exceção para o fantástico "Hearts on the Highway"), que nunca teve o destaque ao vivo que merecia.
A fantástica balada "I Still Think About You" e, talvez, o maior sucesso dos Danger Danger em território nacional - "Don't Walk Away", a justificar uma incursão de Ted Poley pela totalidade do Salão Preto e Prata, para cumprimentar de perto os fãs - mostraram a faceta mais romântica da banda que, no entanto, sempre foi mais conotada com os temas descontraídos e maliciosos que encheram os tops da MTV há mais de duas décadas. "Monkey Business" não podia falhar no alinhamento, a encerrar a primira parte do concerto, que teve seguimento com um curto encore, para ouvir, ainda, "Beat the Bullet" e aquele que foi o primeiro sucesso da banda, "Naughty Naughty".
Pouco há a acrescentar em relação ao concerto de 2011. O alinhamento foi seguro e fiável, e, apesar de alguns problemas de som que se fizeram sentir ao longo da noite e de algumas falhas na comunicação entre a banda, a noite foi de pura alegria, com ninguém a ficar indiferente à energia contagiante com que os rapazes se empenham em proporcionar a melhor noite possível. É nessa mistura de entrega frenética e quase displicente com a qualidade inegável da dupla de compositores Ravel/West que os Danger Danger continuam a garantir lugar cativo no Olimpo do hard rock que, apesar dos esforços desmedidos da indústria discográfica, com a cumplicidade da comunicação social, que teima em apagar o fenómeno dos radares, continua bem dinâmico graças à fidelidade dos fãs.
Depois de sábado, sabemos que este caso de amor entre os Danger Danger e Portugal vai continuar. Resta saber para quando o regresso e insistir com a banda para que olhe com outros olhos todo o catálogo de uma longa carreira, ininterrupta, que continua a oferecer-nos momentos de grande qualidade.
Tal como na primeira vez, o espetáculo integrou o programa da Festa Rock Em Stock, com Luís Filipe Barros, nome incontornável da história da rádio em Portugal que, a celebrar 35 anos de aventuras musicais, continua fiel ao estilo da sua preferência (e, a julgar pela quantidade de público que continuou a dançar até cerca das quatro da manhã, ao som de Billy Idol, Bryan Adams, Bon Jovi ou Metallica, da preferência de muita gente).
A abrir a noite, estiveram os luso-brasileiros Hot Stuff, que fizeram furor no início da década de 90 com dois álbuns de hard rock cheio de groove e riffs poderosos. A banda reuniu-se este ano para assinalar os 20 anos da formação - que terão direito, também, à edição da "Hot Stuff Box Set Special Edition – 20 years" - e, numa atitude de grande maturidade, promoveu a partilha do palco entre os dois vocalistas que passaram pelo projeto: Marcelo Vieira e Mauro Coelho.
O público aplaudiu este regresso de uma das poucas bandas representantes do género em Portugal e dançou ao som de temas como "If I Cry", que abriu a noite, "Little Angel" ou "Hot Stuff". Mas torna-se difícil não perguntar por que razão uma banda a comemorar duas décadas e com trabalho original mais do que suficiente para preencher várias horas de espetáculo, escolhe (e esta é uma opção recorrente dos artistas nacionais convidados para a abertura de um nome estrangeiro), nas poucas oportunidades de palco que tem, queimar tempo com covers - neste caso quatro, em menos de uma hora de espetáculo. Se a intenção era aquecer o público para o que iria seguir-se, os temas originais conseguiram realizar um bom trabalho. Diga-se, no entanto, em abono da verdade, que os vídeos que mais estão a circular na internet, desde sábado, não são dos temas de Hot Stuff, nem do DJ set de Luís Filipe Barros, nem tão pouco dos Danger Danger. A versão de "Girls, girls, girls", dos Mötley Crüe, acompanhada de uma inesperada sessão dupla de striptease, muito ao estilo concentração motard, fez sucesso no alinhamento dos Hot Stuff e está a colecionar vizualizações nas redes sociais.
Dúvidas houvesse, talvez comecem cada vez mais a dissipar-se: com a promoção adequada e uma maior abertura das rádios e da imprensa, existe público em Portugal para espetáculos de hard rock, público que, ao longo dos anos, se habituou a procurar noutras paragens europeias aquilo que, sistematicamente, lhe foi negado em casa. O género, que conjuga a boa disposição da pop com a rebeldia do rock, uma boa dose de peso herdada do heavy metal e a exigência técnica que permitiu reunir alguns dos melhores músicos do mundo, atingiu a maturidade e tem, ainda, muito para oferecer. Haja a coragem de se avançar, em Portugal, para um formato festival, que tire as teimas de uma vez por todas.
- Crazy Nites
- Turn it On
- Under the Gun
- Feels Like Love
- Boys Will Be Boys
- Rock America
- Hearts on the Highway
- I Still Think About You
- Don't Blame it on Love
- Bang Bang
- Don't Walk Away
- Monkey Business
Encore:
- Beat the Bullet
- Naughty Naughty
Texto: Liliana Nascimento
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