No culminar do Festival de Cinema de Berlim, que decorreu entre 1 e 5 de março numa edição exclusivamente virtual para imprensa e mercado (com promessas de festividades físicas perto no verão), o romeno “Bad Luck Banging or Loony Porn” foi anunciado como o vencedor do prémio máximo, o Urso de Ouro. Um filme já visto pelo SAPO Mag.

Já adquirida para exibição em Portugal pela Films4you, a realidade da recente e premiada obra de Radu Jude não é tão diferente da nossa: uma professora de uma reputada escola, Emi (Katia Pascariu), comete aquele que é possivelmente o seu maior erro de vida, o de protagonizar um filme pornográfico com o seu marido. Quando o vídeo vai parar à imensidão da Internet, o seu futuro no estabelecimento de ensino fica à mercê de revoltados pais, que temem pela “pureza” dos filhos.

O que o filme revela é que, perante a "perversidade" do ato, os pais estão pronto a defender os seus, muitos deles, conservadores pontos-de-vista com outras obscenidades.

Das teorias da conspiração ao antissemitismo ou racismo "puro", da homofobia à falta de empatia para com o próximo (apesar de essa ser a segunda palavra mais pesquisa nas redes na Roménia, segundo a informação do filme, logo a seguir a uma que tem uma conotação sexual muito explícita), temos um menu de ingredientes que fervilham num alegórico caldeirão de tons apocalípticos. É o estado das coisas, tudo de pernas para o ar e a sanidade por um fio, onde a verdade é atraiçoada pela perspetiva de cada um e novas “ditaduras” surgem dos escombros de antigas (e a democracia na Roménia apenas nasceu com a revolução de 1989).

Radu Jude, realizador não estranho aos cinéfilos do nosso país (os seus filmes tem tido estreia aclamada nos festivais nacionais, nomeadamente “Aferim!”, vencedor do Indielisboa de 2015), resgata um cinema de libertação sexual, hoje impraticável ou apedrejado pelo puritanismo que ferve nas redes sociais.

Mas o seu último filme é mais do que uma peça radical feito para ferir as sensibilidades nefastas: é uma ferramenta para refletir sobre a nossa existência em tempos de pandemia e a direção que este mundo saturado parece seguir, o que faz através de uma temática atualizada em relação a mensagens que continuam a fazer sentido (por mais que tenhamos evoluído enquanto sociedade, torna-se claro que ainda não lidamos bem com a sexualidade do próximo, principalmente da Mulher).

Rodado e contextualizado entre os confinamentos, as máscaras assumem protagonismo e as regras de saúde pública operam como linhas-guias na história, hábitos que tornam “Bad Luck Banging or Loony Porn” ainda mais convincente quanto ao seu recado. E como intermédio surge-nos também um dicionário de idiossincrasias romenas em união com anedotas (literalmente) tragicómicas... mais do que um aperitivo num intervalo entre a intriga e o seu esperado conflito, trata-se de um manual para entendermos o que move a Roménia na sua contemporaneidade.

Só que também percebemos que qualquer outro país poderia inserir-se em iguais figuras e talvez tenha sido essa aproximação que levou o júri (todo composto por anteriores realizadores laureados pelo festival) a escolhê-lo como o filme representante de Berlim 2021. A confirmar que, antes de o enterrarem por definitivo, o cinema ainda tem muito para oferecer na era da pandemia. Este é um exemplo de vitalidade, essa sim a palavra adequada para um vencedor pornograficamente justo.

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