
Estão longe de ser uma novidade em palcos portugueses, mas é raro vê-los por cá num festival. O concerto de 26 de julho no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, marca a estreia dos Tindersticks no Ageas Cooljazz num dia que também contará com atuações dos Ganso, Rui Maia e Quarteto de Areia.
"Soft Tissue" (2024), o álbum mais recente, acrescenta algumas canções de fino recorte ao catálogo da banda de Nottingham ("Always a Stranger" será mesmo das suas melhores de sempre) e surgiu depois do inesperado acesso experimental e eletrónico de "Distractions" (2021), golpe de rins que fintou uma veterania serena.
Em entrevista por videochamada ao SAPO Mag, Stuart Staples, o vocalista do quinteto, falou dos contrastes e aproximações destes dois álbuns, recuou ao passado, partilhou a admiração pela música de Kendrick Lamar e deixou pistas para a noite no Ageas Cooljazz.

SAPO Mag - Os Tindersticks estão prestes a regressar a Portugal. Já atuaram cá várias vezes desde os anos 1990. O que diria que diferencia atuar aqui, seja pelo país ou pelo público?
Stuart Staples - Acho que a primeira vez que tocámos em Portugal foi uma grande surpresa para nós. Acho que os portugueses foram os primeiros a compreender a nossa música de uma forma profunda. Por isso, será sempre um lugar especial para atuarmos. Foi, literalmente, uma surpresa total, parecia um sinal de uma ligação profunda. Na altura, não compreendíamos nada, mas é algo muito especial.
O que prepararam para um espetáculo que vai decorrer no âmbito de um festival? Vão tocar principalmente temas dos vossos últimos álbuns? Ou será um concerto em torno das canções mais populares?
Acho que vamos aparecer e ver como nos sentimos. Mas estou muito ansioso por tocar em Portugal, num espaço diferente. Costumamos vir e tocar no Coliseu ou na Aula Magna. Penso que estar num espaço diferente vai tornar a conversa diferente. Por isso, estamos muito ansiosos.

Como costumam preparar as canções para as apresentar ao vivo? Fazem muitas alterações? Nas mais antigas, tentam fazer arranjos diferentes?
Acho que o mais importante é que as canções estão vivas entre nós. Fundamentalmente, vamos em digressão para dizer: "Passámos um ano e meio a fazer este álbum e agora, para o tornar real, temos de o tocar para as pessoas". E acho que, se és músico e só fazes música num estúdio, isso é algo abstrato. Mas quando escreves uma canção e a tocas para as pessoas estando no mesmo espaço do que elas, tornas essa canção real, tangível, útil... algo vivo. Então, acho que se estivéssemos apenas a tocar canções antigas, não estaríamos aqui. Penso que o nosso público entende isso, embarcara nessa jornada connosco. E quando reparam que voltámos, dizem: "Hey, os Tindersticks estão em digressão. O que será que eles vão fazer desta vez?". Há uma certa expectativa... É por isso que fazemos isto. Isso mantém-nos vivos. Agora que já tivemos mais de 70 concertos nos últimos tempos, a digressão está a chegar ao fim e estamos desesperados para fazer algo novo. E acho que isso, por si só, vai gerar uma atuação com energia, em vez de pensarmos "Ok, acabou. Quero ir para casa e não quero pensar em música por um bom tempo". Há um apetite e uma energia reais entre nós neste momento que acho que é um bom lugar para se estar.
A propósito de não quererem ficar limitados a canções antigas... Os últimos álbuns dos Tindersticks, em particular o penúltimo, "Distractions" [2021], trouxeram ideias a que não estávamos habituados a ouvir na vossa música. Canções de quase 10 minutos ou até mais. Elementos eletrónicos que não estavam tão presentes até então, ou uma abordagem mais experimental em alguns momentos. O que os levou a seguir nessa direção?
O álbum anterior, "No Treasure but Hope" [2019], era um disco muito naturalista, provavelmente o mais natural e realista que já fizemos. Foi criado em torno do piano e gravado ao vivo. E acho que as canções são lindas. Ouvimos algumas repetidamente. Mas julgo que havia algo nisso que semeou a ideia de que sentíamos falta de algo que tinha mais que ver com a nossa abordagem à gravação de discos, como em álbuns anteriores - "The Waiting Room" [2016], "The Something Rain" [2012]... Tinham uma abordagem mais experimental. "Distractions" é assim. Dediquei-lhe tanto tempo e cuidado quanto a qualquer um dos outros discos, e amo-o tanto quanto os outros. "Soft Tissue" tem muitos elementos de "Distractions", mas também tem, na minha opinião, o cuidado com a composição ou a estrutura que "No Treasure but Hope" teve. É um álbum que mescla essas duas sensibilidades.
Sim, "Soft Tissue" também é um álbum associado a um ambiente noturno, como "Distractions". Mas também tem influências gospel, e também é mais festivo em alguns temas. Como chegaram a essa essa linguagem?
Acho que o pós-confinamento contribuiu para isso, porque havia um desespero por estarmos juntos e simplesmente tocar música sem qualquer objetivo. Tínhamos sido privados disso durante dois anos. Quando estávamos a criar "Distractions", ainda conseguimos encontrar algum tempo para estarmos juntos no estúdio. Esse tempo foi muito curto e muito intenso. Cada músico trabalhava separadamente e depois encontrávamos um momento para juntar tudo. Havia essa energia, essa alegria de estarmos juntos numa sala, a tocar, a ver onde isso nos levaria. Canções como "New World" ou "Always A Stranger" foram das que criei sozinho com a guitarra. Mas quando as toquei para a banda, tomaram outra forma. Houve uma comunhão intensa na sala. Acho que isso é algo irresistível, e também aconteceu quando nos voltámos a juntar para o "Soft Tissue".
Falando de outros álbuns, o vosso segundo disco, homónimo, está prestes a celebrar 30 anos este verão. Foi editado em 1995. Como é que olha para a banda durante esses dias iniciais? Esperava ainda fazer parte dos Tindersticks ao fim de 30 anos? E como encara a trajetória do grupo?
Acho que as pessoas costumam perguntar-nos como nos sentimos em relação à nossa integração hoje em dia, mas nós nunca nos integrámos. Sempre nos sentimos marginais em 1995. Depois lançámos o nosso terceiro álbum, "Curtains", em 1997. Estávamos muito orgulhosos dele, mas foi lançado numa altura em que toda a cultura britânica estava completamente dominada pelos Oasis e pelos Blur.

Sim, pela britpop.
Mas isso era irrelevante para mim na altura. Quando começámos, no início dos anos 1990, havia uma cena musical fantástica em Londres, com bandas como Stereolab e Huggy Bear. Havia uma energia real. Havia muitas editoras pequenas. Foi quando a Domino começou...
E a Creation Records ainda existia, por exemplo...
Sim. Havia uma mentalidade muito "faça você mesmo", as pessoas gravavam singles de sete polegadas e aproveitavam o momento. Sentíamo-nos próximos desses artistas. Essa cena era mais underground. Sei que as pessoas têm muita nostalgia disso agora, mas era uma coisa simples...
Agora falando não enquanto artista ou compositor, mas como melómano... Disse que não encontrou que não conseguiu relacionar-se com alguma da música mais popular nos anos 1990. Mas como ouve música hoje em dia? Ainda é adepto do vinil e CD ou aderiu ao streaming? E que tipo de sonoridades ou discos o têm surpreendido ultimamente?
Acho que se descobrir algo que eu amo, vou querer em vinil. Mas em termos de música nova, já faz algum tempo que não encontro algo que realmente me surpreenda. Mesmo alguém como Kendrick Lamar... a sua grande música já tem quase 10 anos. Na altura surpreendeu-me, impressionou-me, fez-me pensar sobre música de uma forma diferente. Fiquei tão impressionado que alguém daquela geração pudesse criar algo tão inspirador. Enquanto alguém mais velho, isso dá-me muita fé no futuro. A música que foi feita naquela época pode ser vista como uma era de ouro do hip-hop americano. Mas também acho que já foi há muito tempo. Estou sempre a encontrar pedaços de música aqui e ali que quero conhecer melhor, que adoro, mas ainda não encontrei nada novo que me surpreenda dessa forma. Adoraria que isso acontecesse. Gostava mesmo que surgisse algo novo que tivesse esse efeito em mim.

E em relação futuro próximo, qual será passo seguinte na discografia do Tindersticks? Já estão a planear um novo álbum? Têm criado mais canções?
Não, acho que chega a um ponto em que isso se torna a coisa mais importante. Agora há ideias dentro de nós que não têm espaço para sair. Começa a ser frustrante porque a tua vida gira em torno de viajar e tocar. A banda está concentrada nisso. É muito, muito difícil traçar uma linha divisória. Encontramos alguns momentos em que podemos pensar em novas ideias, mas estou muito ansioso por isso, por estar num espaço criativo. E acho que este próximo período vai ser um período criativo. E esses são os melhores momentos, acho eu, para qualquer artista, para qualquer músico. É como quando algo não existe e depois passa a existir, e depois é emocionante e envolvente. E é tudo o que se quer da razão pela qual se faz isto. Estou muito ansioso por ter algum tempo assim.
Os Tindersticks atuam no Palco Ageas, no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, a partir das 22h30 de 26 de julho.
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