Escrever sobre Maria de Medeiros é particularmente difícil. Atriz - quem não se lembra dela no clássico "Pulp Fiction", de Tarantino? -, realizadora - como exemplo maior do seu trabalho na área tem o filme "Capitães de Abril" - e cantora, já com três discos editados, aventurou-se, com "Pássaros Eternos", lançado este ano em Portugal, na composição, sendo autora da maioria das canções que o integram.
Ao primeiro tema interpretado no palco do CCB, constatamos, de imediato, que a aventura foi bem sucedida. "Me Tiro", interpretada em palco com uma teatralidade sufocante, com o tom de voz de Maria de Medeiros a viajar entre a suavidade e pequenos gritos, conta a história de uma mulher louca, com tendências para a depressão, que grita o desejo de atirar-se e morrer, prendendo a atenção do público.
Ao atirar-se, começa a cantar “Nasce O Dia na Cidade”. Embalada pelos seus elementos bossa nova e jazz, Maria de Medeiros não descura os passos de dança, desfrutando em pleno da interpretação que faz. Então, a mulher louca dá lugar a outra, que se dispõe a lançar uma crítica à sociedade atual, através do seu canto: “Agora cortam as verbas/ agora somem salários/ agora caem as bolsas e choram os milionários/ (...) agora içam bandeiras/ e crescem indignados”.
Para ilustrar cada tema do disco em palco, a artista decidiu projetar as imagens incluídas no booklet do álbum, da autoria de vários ilustradores convidados. E, de forma a aprimorar o espetáculo visual, há também um viciante jogo de luzes, que oferece um ambiente diferente a cada canção.
Com o início de “Aos Nossos Filhos”, gera-se uma sensação de melancolia e vulnerabilidade no Pequeno Auditório. Fortes luzes roxas acompanham o som do piano, que serve de escolta à letra delicada do tema, inspirado na peça de teatro com o mesmo nome, apresentada em palcos brasileiros. Um dos melhores momentos do espetáculo.
“24 Mila Baci”, cantada em italiano, ecoa e aumenta os ânimos de uma plateia vulnerabilizada pelo tema anterior. Apresentar “Pássaros Eternos” é como oferecer o enredo de um filme de cinema. São várias as disposições da cantora, que vai encarnando personagens e vagueando entre sonoridades – reflexo das vivências e experiências construídas em dezenas de países diferentes.
A influência da bossa nova volta a dar sinal de vida em “Trapichana”, quinto tema do disco, com o rock minimalista a destacar-se em “Shadow Girl”, música em que colabora The Legendary Tigerman. As sonoridades rock continuam em “Noite”, dedicada às noites passadas no Bairro Alto e com referências a espaços noturnos como o Lux ou o Kremlin. Um retrato da noite lisboeta, com os seus altos e baixos, com raparigas que consomem de forma desesperada a energia dos amigos, eventuais pretendentes. Entra, então, em palco a rapariga que contacta com desconhecidos através do seu computador. “Quem és Tu?” faz-se ouvir.
O encore é feito de dois temas inéditos, de compositores brasileiros; da sua versão para “These Boots Are Made For Walking”, faixa que integra o disco “Femina”, de The Legendary Tigerman; e da uma rendição do tema dos The Clash, "Shoud I Stay Or Shoul I Go". Permanecer é a resposta óbvia: em cima dos palcos, a apresentar a artista multifacetada que é, que vai muito para além da voz, ainda longe de ser apreciada pelas massas.
Texto: David Pimenta
Fotografias: Sofia Serrano
Comentários