"É uma loucura", resume Georges Mourier, responsável pelo projeto desta reconstituição com um orçamento de 2,5 milhões de euros, na pequena sala que compartilha desde 2008 com sua editora, Laure Marchaut.

Sob a liderança da Cinemateca Francesa, dão os últimos retoques na restauração deste importante e inclassificável património cinematográfico venerado por cinéfilos e cineastas, entre os quais Francis Ford Coppola. Uma tarefa homérica que esperam concluir até ao final do ano.

Relatando a juventude de Napoleão até ao início da campanha italiana, o filme, exibido pela primeira vez em 1927, numa versão de sete horas, é carregado por um sopro épico, recheado de inovações visuais e narrativas (incluindo um famoso tríptico final, em três ecrãs em simultâneo).

"Abel Gance é muito ousado para a época. Mistura o sublime e o trash, a luta na lama e a luta com sabres", sintetiza Georges Mourier, sobre esta "última superprodução" da era do cinema mudo: "cada sequência é uma revolução cinematográfica".

Mas, varridos pelo boom do cinema falado, esquecidos durante anos, os registos desta obra única e abundante espalharam-se pelo mundo, alguns perdidos ou destruídos.

"Gance não tinha noção de herança. Ele usava filmes anteriores" para criar novamente. No total, há entre 19 e 22 versões do seu 'Napoleão'. Resultado: os arquivos de Abel Gance formam um acervo disperso e "incrivelmente opaco", segundo o pesquisador.

"É um filme Frankenstein"

"Napoleão" foi restaurado várias vezes. Originalmente, Mourier e Marchaut pensaram em se limitar a uma missão de três meses para estabelecer alguma ordem nos arquivos da Cinemateca. Finalmente, dedicaram uma década à tarefa, indo de surpresa em surpresa.

Georges Mourier intuiu que as restaurações anteriores não conseguiram restaurar a obra de Abel Gance na sua forma original, a "versão grande" de sete horas apresentada em 1927, com alguns planos totalmente diferentes.

"É um filme Frankenstein", cujas bobinas "se espalharam por todo o mundo", sendo por vezes encontradas por milagre, sobretudo nas profundezas da Córsega, e "recompostas" pelos vários restauradores, sublinha Mourier.

Por exemplo, para entender como Gance havia construído uma cena, onde Napoleão ouve a Marselhesa, o restaurador teve de traçar um plano com uma cópia encontrada em Roma e a seguinte em Copenhaga.

"Mais do que costurar, fazíamos renda: tínhamos de desfazer os nós das antecessoras, sem romper a linha, e voltar a tecer na direção certa".

Por vezes trabalhando imagem por imagem, analisaram um total de 100.000 metros de filme, alguns muito danificados ou extremamente inflamáveis.

Laure Marchaut nunca tira as luvas para manusear o filme e ainda se lembra do "cheiro forte de vinagre" que emanava de uma caixa.

Para preservar "a alma e a matéria do filme" e evitar o "efeito lifting" dos tratamentos digitais, a restauração das imagens exigiu processos químicos antes dos scans de alta definição.

"Uma coisa é certa: o espectador nunca saberá de onde começámos", garante Mourier. Antes disso, será necessário encontrar um local de projeção à altura.

O filme "é feito para a comunhão do público", nota o pesquisador, que imagina uma projeção "para milhares de pessoas, com uma orquestra no palco".

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