"Revolta por Lineker", "Motim na BBC", "A Beebs vai longe demais": o anúncio na noite de sexta-feira da suspensão temporária de Gary Lineker, ex-jogador e apresentador do imensamente popular 'Match Of The Day', provocou tal clamor que ofuscou amplamente nas primeiras páginas dos jornais britânicos a visita do primeiro-ministro Rishi Sunak a Paris no dia anterior.

O ex avançado da seleção inglesa, que apresenta desde 1999 o programa, foi suspenso pela gigante audiovisual britânica após criticar na terça-feira o novo projeto de lei do governo conservador que busca impedir que migrantes que chegam pelo Canal de la Mancha peçam asilo no Reino Unido, projeto denunciado até na ONU.

É uma "política cruel para com os mais vulneráveis, em termos não muito diferentes daqueles usados pela Alemanha na década de 1930", escreveu ele no Twitter, onde o ex-jogador de 62 anos partilha regularmente as suas visões progressistas com os seus 8,8 milhões de seguidores.

Onda de apoio

A BBC tinha dito primeiro que iria falar com o apresentador. Na sexta-feira, o grupo audiovisual acabou por decidir "que (Gary Lineker) iria deixar de apresentar 'Match Of The Day' até chegar a um acordo claro com ele sobre o uso das redes sociais".

As reações não demoraram a chegar: seis comentadores anunciaram a sua retirada levando em consideração essas "circunstâncias", além de consultores do programa, como os ex-jogadores da seleção inglesa Ian Wright e Alan Shearer.

Resultado: devido à falta de pessoal, o programa do meio-dia 'Football Focus' foi substituído no último minuto por um programa de compra e venda de antiguidades, e um programa de restaurações foi transmitido às 16h30 locais em vez de 'Final Score'.

Quanto ao 'Match Of The Day', uma verdadeira instituição no Reino Unido, onde o programa é transmitido desde 1964, continua na grelha neste fim de semana, mas não haverá análise, nem apresentador, revelou a BBC no momento em que uma petição de apoio ao ex-jogador ultrapassa as 165 mil assinaturas.

"Lamentamos estas mudanças e reconhecemos que elas são decepcionantes para os fãs da BBC Sport", disse o canal num comunicado. "Estamos a trabalhar para resolver a situação".

No plano político, a decisão do grupo audiovisual foi denunciada por diversas personalidades, desde a oposição trabalhista até a primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon, que apelidou de "indefensável" a posição da BBC, que, segundo ela, põe em perigo a liberdade de expressão diante da pressão política".

Segundo o jornal The Daily Express deste sábado, um grupo de 36 parlamentares conservadores britânicos teria escrito uma carta ao CEO do grupo, Tim Davie, a exigir um pedido de desculpas "sem reservas" por parte do apresentador.

"A BBC lançou dúvidas sobre sua própria credibilidade ao parecer ceder à pressão do governo", disse o ex-diretor geral da BBC, Greg Dyke.

Imparcialidade

A BBC tem sido regularmente criticada ultimamente, com acusações de ter distorcido a cobertura do Brexit e se ter focado nas preocupações das elites urbanas.

Desde então, o grupo afirmou colocar a imparcialidade como uma "prioridade" e, por conselho do governo, Richard Sharp foi nomeado em 2021 como presidente da BBC.

Mas esta nomeação foi alvo de críticas, já que o ex-banqueiro, conhecido doador do Partido Conservador, supostamente ajudou o ex-primeiro-ministro Boris Johnson a obter um empréstimo de 800.000 libras antes da sua nomeação.

Gary Lineker, que marcou 48 golos pela Inglaterra até à sua reforma em 1994, não reagiu publicamente à suspensão, mas repetiu esta semana que assume completamente as suas palavras.

Apelidado de 'Mister Nice' pelo seu comportamento irrepreensível ao longo da carreira (nunca recebeu um cartão amarelo), tem por hábito expressar as suas posições políticas nas redes sociais, em particular contra o Brexit e em defesa dos migrantes.

Lineker esteve este sábado em Leicester, a sua cidade natal, onde iniciou a sua carreira profissional, para presenciar a partida dos 'Foxes' contra o Chelsea, pela Premier League.

A nova lei, que, segundo o governo, visa pôr fim à chegada de migrantes pelo Canal da Mancha, foi criticada por associações de defesa dos direitos humanos e pela ONU, que acusou Londres de querer "pôr fim ao direito de asilo".