Berlim é uma das personagens mais marcantes de "La Casa de Papel", série que regressa esta sexta-feira, dia 3 de setembro, à Netflix para a primeira parte da quinta e última temporada.
Antes da chegada do primeiro lote de cinco episódios ("O Fim da Estrada", "Acreditas na reencarnação?", "O Espetáculo da Vida", "O Teu Lugar no Céu" e "Viver Muitas Vidas"), o SAPO Mag esteve à conversa, via Zoom, com Pedro Alonso, o ator espanhol que veste a pele da carismática e misteriosa personagem.
"Eu entendo português", atira o ator natural de Vigo no arranque da conversa. "Adoro Portugal. Galiza e Portugal são vizinhos e, por vezes, as coisas entre vizinhos nem sempre correm bem. Mas adoro Portugal, mesmo. Estreei o meu primeiro espetáculo de teatro profissional em Lisboa. Estreei o meu primeiro espetáculo com um texto forte em Lisboa. Passei algum tempo em Lisboa, viajei para o Porto", recorda.
"Há algo na Cultura portuguesa que me toca, de quem me sinto próximo. Na verdade, quase fui viver para Lisboa. É uma cidade que adoro, com toda a combinação entre o velho e o cosmopolita e a maravilhosa costa", confessa o ator de 50 anos.
Mas não foi a sua ligação a Portugal o tema da conversa com Pedro Alonso, ator que se tornou mundialmente conhecido ao interpretar Berlim em "La Casa de Papel". Ao SAPO Mag, o espanhol recorda que estava no México quando foi desafiado para fazer uma audição para o elenco da série do canal espanhol Antena 3. "Quando recebi as duas primeiras cenas para fazer o casting de 'La Casa de Papel', estava no México e a fazer uma série. Estava a amanhecer, tinha acabado o último dia da rodagem e estava a preparar-me para voltar a Madrid. Tinha várias oportunidades para trabalhar numa série de televisão. Li as duas cenas de Berlim e tive um palpite, uma sensação, uma ligação intuitiva", conta Pedro Alonso, confessando que, ao longo da sua carreira, foram poucas as vezes que o sentiu.
"Houve uma ligação com algo que me desperta profundamente no México, que é o xamanismo, a energia dos rituais, a energia telúrica, esotérica... muito percetiva, muito energética. Mas com as nuances de Berlim, que era inquietante, obscuro e quase uma bruxa má. Com esse sentimento de conexão, fiz a viagem transatlântica, cheguei ao casting com um jetlag gigante e entrei de uma forma muito fluída, tanto que a Eva e a Yolanda, que eram as diretoras de casting, começaram a abraçar-me quando terminei a audição, o que é muito invulgar", lembra. "A verdade é que tive um ligação muito forte com a personagem desde o início e com o tempo tudo se confirmou. Isso além de gostar dos diálogos, dos guiões e do trabalho dos realizadores. É algo que nasceu do esforço de várias pessoas", acrescenta.
"De uma certa forma, tudo o que há em Berlim está em mim"
A partir do momento em que conseguiu o papel, o ator preparou-se para a personagem, mas não da forma mais tradicional. "Olho para a minha profissão, para o meu trabalho como ator - e ao longo dos anos de uma forma cada vez mais radical -, como um processo de aprendizagem, como um processo de crescimento, de descoberta da minha própria natureza humana. Já não trabalho por imitação, não sou um compositor - apesar de parecer difícil de acreditar, não sou muito de criar [personagens]. Tento encontrar as notas que ressoam em mim e amplifico-as. De uma certa forma, tudo o que há em Berlim, está em mim. Mas é só uma parte de mim e só a amplifico para a personagem", explica Pedro Alonso em conversa com o SAPO Mag.
Ao estilo de Messi ou de Cristiano Ronaldo?
Apesar dos guiões e de todos os detalhes sobre a personagem e as cenas, o ator espanhol sentiu que devia arriscar improvisar em alguns momentos. "Lembro-me das primeiras semanas de rodagem da primeira temporada de 'La Casa de Papel', com o Jesús Colmenar [produtor e realizador]. Filmar uma sequência nesta série é uma loucura. É como mandar uma nave para o espaço. Há tantos, tantos, tantos requisitos técnicos. As câmaras têm movimentos muito sofisticados, há muitos recursos e coisas assim. Isso demora o seu tempo e não havia muito tempo para o ator fazer os seus 'takes' - não podíamos fazer 20 mil 'takes'... tinhas de estar, tudo preparado e fazer. Lembro de um dia - acho que era uma cena com os reféns -, em que senti que tinha de insistir para que me deixassem improvisar", recorda.
Apesar das dúvidas da equipa, o ator conseguiu alterar a cena porque acreditava que podia conseguir "uma magia especial". "Disse-lhes algo como: podemos fazer esta personagem de duas maneiras: no modo Cristiano Ronaldo, que vai sempre na linha, ou em modo Messi, que nunca sabemos por onde vai. Admiro muito o Cristiano Ronaldo, mas apetecia-me muito mais o imprevisível", conta.
"Berlim deu-me tempo para me surpreender, tempo para me ouvir, ver a personagem que tinha à minha frente e como 'jogar' com isso, como ator. Porque um dos maiores mistérios da nossa profissão é o aprender a parar o tempo. E Berlim é uma personagem, um veículo, que te permite testar isso ao extremo", defende Pedro Alonso.
As última temporada e as boas memórias
Apesar de os espectadores só se despedirem definitivamente de "La Casa de Papel" em dezembro, o elenco já disse 'adeus' às personagens. Em conversa com o SAPO Mag, o ator sublinha que viveu muitos e bons momentos com toda a equipa, destacando o dia em que foi gravada a cena em que Berlim canta "Bella Ciao". "Às vezes, nos cenários, acontecem coisas que nos fazem recordar as cenas, mas não como um momento de uma personagem, mas como um momento da nossa vida. Lembro-me do dia de 'Bella Ciao'. Quando me falaram da cena, avisei que não cantava, que ia destruir a série porque sou a pessoa que canta mal. Tentei adaptar a cena e não fazer uma interpretação virtuosa de uma canção, mas fazer algo mais narrativo. Lembro-me que, naquele dia, passou-se algo forte, muito forte. Lembro-me desse dia como uma memória de algo que me aconteceu, não uma cena de uma personagem. Senti energias muito fortes", confessa.
Já sobre a quinta e última temporada, Pedro Alonso revela que há uma algumas diferenças de estilo entre o primeiro e o segundo volume. "Faço uma distinção entre os primeiros capítulos que se estreiam agora e os episódios que vamos ver em dezembro. No final, se tivéssemos de falar de duas linhas de força, uma seria a linha do entretenimento, a produção técnica, o espetáculo. Neste caso, podemos dizer que é quase um filme de guerra porque, até ao final, vamos com todas as armas. É a batalha final e foi feito um esforço descomunal, sem limites. Compete com os melhores da liga do entretenimento de ação", sublinha.
"Tudo isto é complementado com algo que, para mim, é fundamental e em que Berlim se distingue: a parte sentimental. Esta ação não serviria para nada se as personagens não tivessem coração", defende o ator natural de Vigo.
"Cuidado com o filho de Berlim"
Nos primeiros episódios da nova temporada, os espectadores vão reencontrar Berlim com a sua noiva, Tatiana [Diana Gómez, de "Valeria"], e o seu filho, Rafael [Patrick Criado], através de flashbacks. Para o ator, as viagens ao passado vão ajudar a completar o complexo puzzle de "La Casa de Papel", mas também acrescentar carga dramática à vida da sua personagem.
"Cuidado com o filho. O filho do Berlim tem o seu ADN. Acho que o que mais gosto na quinta temporada é o esforço dos guionistas. Gosto muito da narrativa, dos guiões. E fizeram um grande esforço para compreendermos o mapa da personagem, do Berlim. Como é que se combina a parte tão escura, turva, perturbada e diferente com a parte mais brilhante, mais lírica, mais poética e mais romântica que vimos na terceira e quarta temporadas? Nesta temporada, há uma ligação, tudo se encaixa. Essa ligação toca num ponto fundamental que nos ajuda a entender uma linha que une tudo o que aconteceu em todas as temporadas", adianta o ator.
"Lembro-me de uma cena com o meu filho, o Rafael, no oitavo episódio - não vamos ver agora o episódio, só em dezembro. E aí aconteceu-me algo que já me aconteceu algumas vezes com Berlim e eu, como ator, fiquei surpreendido com o sentimento que estava a viver quando estava na rodagem. Não quero fazer um spoiler, mas no momento estava a descobrir algo de que gostava, que me dava satisfação... nesse momento tinha a certeza que o perdia. Para dar um exemplo que todos conhecemos: no momento em que Berlim descobriu o amor que sentia pela equipa, morreu", revela.
Veja o trailer da primeira parte da quinta temporada:
Para Pedro Alonso, sempre que Berlim sorri, algo mau se aproxima. "A personagem teve sempre esta combinação de forças: quando algo muito bom lhe acontece, algo terrível vem à tona. Esse paradoxo, fez-me ter sentimentos que me enlouquecem ao interpretar a personagem", frisa, defendendo que "Berlim é uma personagem com uma grande componente trágica". "Nesta tragédia, ele consegue ganhar a pulso e isso dá-lhe um sopro poético que é belo", acrescenta o ator.
O sucesso de "La Casa de Papel" e a fama
"Se descobríssemos o motivo do sucesso, seríamos milionários em 24 horas", graceja Pedro Alonso. Depois da estreia na Netflix, "La Casa de Papel" tornou-se numa das séries mais populares em todo o mundo, sendo uma das mais vistas de sempre no serviço de streaming. Mas haverá uma explicação? "Todos temos tirado conclusões que, se não o explicam, pelo menos dão-nos uma ideia do que aconteceu. É uma combinação de várias coisas", frisa o ator.
"A série foi feita fora do mundo anglo-saxónico e isso foi um fator surpresa: 'quem são estes espanhóis que querem competir e fazer uma série sobre roubos, e que é um património dos norte-americanos?'. De repente, percebem que tem força. Além disso, o componente latino na criação das personagens, com mais carga emocional, e os símbolos pop - o macacão vermelho, as máscaras, tudo isso. Essa linha de força relaciona-se com o descontentamento de muitos face ao sistema capitalista e o desejo de mudar. Acho que tudo isto somado ao aparecimento da Netflix, desencadeou uma tempestade perfeita", defende.
Porém, para Pedro Alonso não há nenhuma formula secreta ou explicação para o sucesso que se prolongou ao longo das temporadas. "Não dá para explicar porque não foi só um pequeno momento, há algo que chegou a muitos corações de uma forma muito forte e em todo o mundo. É quase um milagre que não sei se se irá repetir, mas certamente não nestes termos. Acho que foi o momento perfeito, na altura perfeita", acrescenta.
O sucesso da série catapultou também o elenco de "La Casa de Papel" para a fama mundial. "A exposição pública dos últimos anos é como uma linha de força que te pode pôr à prova. Mas não deixei de fazer nada do que queria. Acho que também me apanhou num momento da minha vida em que já tinha ferramentas para me distanciar. Fiz um esforço para que não se convertesse no centro do que faço. Continuei a apanhar autocarros no México, perdi-me no deserto. Não deixei de fazer nada. Às vezes, tens de te pôr em modo ninja e ter uma máscara de inviabilidade - agora, a máscara ajuda, tenho barba, que também ajuda. Mas se estás de 'cara lavada', numa praça no meio dos Campos Elísios, em Paris... bem, aí não podíamos fazer este conversa. Mas dizia-te: 'Tiago, vamos para aquele canto fazer'. E tudo se conseguia", acrescenta.
"O que tento fazer é pôr-me fora de foco quando me interessa e pôr-me em foco da forma que me interessa. Conheci pessoas maravilhosas e permitiu-me chegar a talentos em Espanha e em todo o mundo. Está a dar-me espaço para a ir a um ritmo diferente como ator, para dizer que não... escrevi livros, continuo a pintar, agora estou a fazer a pré-produção de um documentário que quero realizar e vou fazer um filme. Por isso, estou muito agradecido", confessa. "É como tudo na vida, tem as suas partes boas e outras partes metem-te à prova", remata.
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