Autora multipremiada e considerada pela critica uma das principais escritoras de língua francesa da atualidade, Amélie Nothomb confessou que “Sede”, o seu 28.º romance publicado, é o livro da sua vida.

Neste livro, editado pela Guerra e Paz com o apoio do Institut Français, é dada voz humana à figura de Jesus Cristo, e é ele próprio que narra, num longo e irónico monólogo, a sua paixão, assumindo o medo da morte e refletindo sobre aqueles que considera os três pilares da humanidade: amar, morrer e ter sede.

A chegada deste livro a Portugal coincide com a data em que a sua adaptação teatral, por Catherine D’At, se estreia no Théâtre du Rond-Point, em Paris, onde estará em cena até ao dia 26 de março.

A encenadora, que vive em Lisboa, pretende trazer muito em breve para Portugal esta peça, pensada e testada numa residência artística no Centro Cultural Malaposta, em Odivelas.

Com humor incisivo, Amélie Nothomb restitui as últimas horas de vida de Jesus Cristo, dando-lhe o papel de narrador, e leva o leitor pelo seu percurso até à cruz, começando na declaração que abre o livro: “Sempre soube que me condenariam à morte”.

A história acompanha o calvário de Cristo e os milagres de que é “acusado”, porque todos aqueles que foram alvo dos seus milagres são agora testemunhas de acusação, queixando-se dos efeitos colaterais.

Os primeiros miraculados são os noivos de Canã, indignados por, tendo Cristo o poder de transformar a água em vinho, ter esperado pelo fim das bodas para exercer o seu dom.

“Teve prazer em ver a nossa angústia e humilhação, embora conseguisse poupar-nos a uma e outra tão facilmente. Por causa dele, servimos o melhor vinho depois da zurrapa. Fomos alvo da risota da aldeia”.

Mas também aparecem o antigo cego, que se queixa da fealdade do mundo, o antigo leproso, que reclama de mais ninguém lhe dar esmola, o sindicato dos pescadores de Tiberíades, que acusa Jesus de favorecimento de uma das tripulações, Lázaro, que conta como é hediondo viver com o cheiro de cadáver colado à pele.

A sentença foi ditada por Pilates, “o génio do latim” que “nunca comete pleonasmos”, quando afirmou “réu, serás crucificado”, uma “economia de linguagem” que Cristo apreciou, pois detestaria que ele tivesse dito “crucificado à morte”, uma vez que não há outro desfecho possível.

Enquanto espera sozinho na cela pelo dia seguinte, Jesus reflete ainda sobre a crucificação, a morte e a ressurreição, conversa com o pai, lembra os apóstolos, o traidor Judas - aquele tipo de “amigo que os outros não compreendem por que razão é nosso amigo” - e Maria Madalena.

“Mas que Cristo é este que connosco desabafa em tom lírico e filosófico, mas também com um humor redentor? Um poeta, um revolucionário, um profeta, ou um homem solitário e comum que, como todos os outros, tem sede?”, questiona a editora, deixando para o leitor a interpretação deste texto como um sacrilégio, uma blasfémia ou uma reconciliação com a fé.

Vencedora do Prix Chardonne, do Grand Prix du Roman da Academia Francesa, do Prix de Flore e do Grand Prix Jean Giono, Amélie Nothomb tem raízes belgas, nasceu no Japão e vive em França.

Traduzido em mais de 45 línguas, “Sede” tem tradução para português por Isabel Ferreira da Silva.

Em Portugal Amélie Nothomb tem publicados já alguns romances, nomeadamente “Temor e tremor”, “Metafísica dos tubos”, “A cosmética do inimigo”, "Dicionário de nomes próprios” e “Ácido sulfúrico”.