Tinha 26 anos, era um desconhecido, não mais do que o irmão de Luísa Sobral, e um rosto perdido na memória de edições de concursos de talentos vocais, há muito desaparecidas.
Um ano depois da publicação de "Excuse me", Salvador Sobral vence o festival Eurovisão, em Kiev, com "Amar pelos dois", uma canção escrita pela irmã, e faz questão de deixar a sua marca: um alerta em defesa dos refugiados no termo da eliminatória, na passada terça-feira, que o levou à final; a crítica ao "mundo de música descartável" em que vivemos, na noite da vitória.
Salvador Sobral nasceu em Lisboa, em 1989, ouvia música desde criança e, numa entrevista recente ao El País, recordou as viagens em família, as canções partilhadas com os pais, dos Beatles, dos Genesis, de Simon & Garfunkel e John Lennon, sobretudo clássicos dos anos de 1960/70, e as harmonias feitas com a irmã.
O primeiro concurso de talentos surgiu na sua vida aos dez anos, um Bravo, Bravíssimo, na SIC, onde voltaria aos 18 anos, para o Ídolos.
A experiência ficou para trás, dedicou-se a um curso de Psicologia e a um Erasmus em Maiorca. Para ganhar dinheiro, começou a cantar em bares. E foi aí que tudo mudou.
Descobriu Chet Baker, através de um guitarrista argentino com quem cantava: "Deslumbrou-me. Parecia uma angústia misturada com esperança, com melancolia, tudo numa só pessoa. Identifiquei-me totalmente com ele e com o seu estilo", disse na entrevista ao jornal espanhol El País, publicada no passado dia 16 abril.
O curso de Psicologia deu lugar ao de Música, e Maiorca a Barcelona, onde, em 2014, começou a atuar com a banda Noko Woi, com quem atuou no festival Sonar. Um ano mais tarde seria uma voz na programação dos festivais Mexefest e, no seguinte, entraria no Cool Jazz.
Na altura tinha já publicado "Excuse me", o álbum de estreia que chegou às lojas em março de 2016, com uma sonoridade marcada pelo jazz e pela pop.
O disco resume os gostos do cantor, as suas referências, entre as composições escritas por si mesmo, com Leo Aldrey, às quais juntou versões de "Autumn in New York", de Vernon Duke, um 'standard' do jazz, ou "Nem eu", de Dorival Caymmi.
O disco inclui igualmente "I might just stay away", canção escrita por Luísa Sobral, inspirada na obra do trompetista Chet Baker, uma das principais referências do cantor.
Em "Excuse me", Salvador Sobral surge em quarteto, acompanhado por Júlio Resende (piano), que coproduziu o disco, André Rosinha (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria).
A vitória no Festival RTP da Canção, em março de 2017, com "Amar pelos dois", aconteceu contra todas as expectativas: entre uma eliminatória e a final foi sujeito a uma intervenção cirúrgica. A fragilidade estendeu-se à atuação em Kiev, com a irmã a substituí-lo nos primeiros ensaios, por motivos de saúde, como destacaram as agências internacionais de notícias, presentes na Eurovisão.
Em declarações ao jornal Público, após a vitória em Lisboa, Salvador Sobral disse que "Amar pelos Dois" tem uma melodia que remete "um pouco para o cancioneiro americano e, ao mesmo tempo, para a bossa-nova", acrescentando que, para si, "o mais importante é transmitir emoções", "sejam elas quais forem".
Entre a vitória em Lisboa e a vitória em Kiev, a atuação de Salvador Sobral teve impacto nos meios internacionais de comunicação. Surgiu na TVE a cantar com o concorrente espanhol, foi entrevistado pelo El País, chegou às páginas do El Mundo, do Daily Express, do The Sun. A agência France Presse definiu-o como "o 'crooner' português de coração demasiado grande".
Nos 'sites' de apostas, ia entretanto subindo de posição até atingir o primeiro lugar entre os favoritos, na véspera da final de Kiev.
Antes da vitória, Salvador Sobral já tinha atuações marcadas para julho, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, na Casa da Música, no Porto, no Convento São Francisco, em Coimbra, no Theatro Circo, em Braga.
Quando chega ao palco gosta de criticar as revistas cor-de-rosa e o que dizem de si. Disse ao El País: "Sobre um solo de bateria grito o que publicam: 'Salvador Sobral está em risco de vida, pode morrer a qualquer momento. Diz-nos em que dia vais morrer para aumentarmos a tiragem! E o público aplaude e apoia-me, porque entende o que estou a passar e que tenho de canalizar essa raiva".
É no palco, aliás, que para Salvador Sobral tudo está bem: "Aí não há problemas de saúde, nem de dinheiro. Todos conversamos, e isso é jazz, essa onda de improviso, em que a vida é possível".
"Sou um inquieto musical, preciso de ter muitos projetos em simultâneo. Estou a preparar um disco de boleros em jazz. É uma dor de cabeça ter tantas facetas. Acabarei por ter tantos heterónimos como Fernando Pessoa", garantiu ao El País.
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