"Foi historiador, sociólogo, crítico de arte, professor e romancista prolífico. Sobre si mesmo dizia que respirava arte – não precisava de o dizer, porque o sentíamos", escreve a ministra da Cultura, Graça Fonseca, numa mensagem de pesar pela morte de José-Augusto França, ocorrida no sábado, em França, aos 98 anos.

José-Augusto França "fez da partilha do seu conhecimento enciclopédico a razão primordial da sua vida e esse é o maior testamento que nos deixa: a forma como iluminou e inspirou sucessivas gerações de alunos, leitores e discípulos", sublinha Graça Fonseca.

"Verdadeiro cidadão do mundo, José-Augusto França manteve durante toda a vida uma estreita relação com a terra onde nasceu, Tomar", prossegue a mensagem da titular da Cultura, que acompanha o percurso do historiador, e sua formação em Portugal e em França, onde se doutorou em artes e letras, com as teses "Une Ville des Lumières: La Lisbonne de Pombal" e "Le Romantisme au Portugal".

José-Augusto França

Graça Fonseca recorda o momento da chegada a Paris de José-Augusto França, na década de 1950, quando a ditadura estava no seu auge, em Portugal, como "um dos grandes choques da sua vida (...), porque sentia no ar uma liberdade nunca antes sentida". Outro choque "foi ver, pela primeira vez, os quadros de Pablo Picasso".

No percurso do historiador, a ministra da Cultura destaca ainda a sua primeira obra de ficção, "Natureza Morta", de 1949, "um dos primeiros romances portugueses a tratar a temática anticolonialista", e o seu gosto pelo cinema.

"Apesar de ter vivido grande parte da sua longa vida no estrangeiro, de uma certa forma, José-Augusto França viveu sempre em Portugal: O seu longo labor permitiu construir uma narrativa da arte portuguesa, contribuindo indelevelmente para que esta pudesse ser compreendida onde antes não era", reforça a ministra da Cultura, citando obras como as monografias dedicadas a Rafael Bordalo Pinheiro, Domingos Sequeira, Columbano, Amadeo e Almada, que "fazem dele um embaixador por excelência da cultura portuguesa".

"O seu livro 'Lisboa: história física e moral', publicado em 2008, é bem demonstrativo do seu amor à cidade que nunca deixou e onde vivia durante parte do tempo, num quarto andar alto do Príncipe Real, de onde via a cidade e mundo", conclui Graça Fonseca.

O historiador, sociólogo e crítico de arte morreu hoje, aos 98 anos, na casa de saúde de Jarzé, perto da cidade francesa de Angers.

Considerado uma referência na área das artes visuais e da cultura em Portugal, José-Augusto França encontrava-se internado há vários anos nessa unidade de cuidados continuados, após uma operação na sequência da qual sofreu diversos acidentes vasculares cerebrais, e morreu hoje às 13h00 locais (12h00 em Lisboa), segundo a mesma fonte, devendo ser cremado ainda esta semana em França.

Da sua extensa obra, marcada por títulos como "A Arte em Portugal no Século XX" e "O Retrato na Arte Portuguesa", destacam-se os estudos sobre a arte em Portugal nos séculos XIX e XX, monografias sobre Amadeo de Souza-Cardoso e Almada Negreiros, além de outros volumes de ensaios de interpretação e reflexão histórica, sociológica e estética sobre questões da arte contemporânea.

Enquanto teórico e divulgador, participou entre 1947 e 1949 nas atividades do Grupo Surrealista de Lisboa, de que fizeram parte, entre outros, Mário Cesariny de Vasconcelos e Alexandre O'Neill, e foi, na década seguinte, um defensor da arte abstrata.

Foi condecorado diversas vezes, como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991), a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2006) e as medalhas de Honra da Cidade de Lisboa (1992) e de Mérito Cultural (2012).

Diplomado pela École d'Hautes Études de Paris e doutorado pela Sorbonne, foi professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa desde 1974, onde criou os primeiros mestrados de História da Arte do país, e jubilou-se em 1992, tendo recebido das mãos do então Presidente Mário Soares a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, no final da última aula que deu.

Também lecionou na Sociedade Nacional de Belas Artes, presidiu à Academia Nacional de Belas-Artes, foi diretor do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, em Paris, membro do Comité Internacional de História da Arte e presidente de honra da Associação Internacional dos Críticos de Arte.

Nascido em Tomar a 16 de novembro de 1922, doou o seu espólio ao museu da cidade.