O coreógrafo, que entra em funções na segunda-feira, conhece bem a casa onde se estreou profissionalmente há 28 anos, como bailarino principal, e regressa agora como diretor para a missão de divulgar um “repertório invejável”, disse em entrevista à agência Lusa.
“A CNB vai encontrar os meios para se deslocar presencialmente [pelo país], como sempre fez, porque nada o substitui, mas não nos devemos esquecer que a tecnologia pode e deve ser utilizada da forma mais proveitosa”, defendeu Fernando Duarte, a poucos dias de assumir o cargo.
Com sede no Teatro Camões, em Lisboa - desde janeiro em obras no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), com reabertura ao público prevista para outubro – a CNB “tem de ser multiplicada pelos vários teatros do país”.
“Quando estamos na capital, nada impede que seja difundida pelas possibilidades que a tecnologia nos oferece, que é incontornável, e que hoje em dia faz parte da dinâmica de entretenimento dos públicos”, sustentou o responsável, referindo-se ao uso da transmissão em direto dos espetáculos para espaços de exibição alternativos.
Neste caso, o ‘streaming’ “não é para as pessoas verem espetáculos em casa, mas é para se deslocarem a salas de espetáculos ou espaços em que seja projetado para usufruírem do espetáculo original a ser reproduzido”, algo que aconteceu a nível internacional há anos, explicitou o coreógrafo que em 2018 saiu da CNB para fundar uma entidade independente, a Companhia Dança em Diálogos, com a também bailarina, Solange Melo.
A CNB tem realizado parcerias com a RTP2 para transmissão de alguns espetáculos, “mas a ideia do ‘streaming’ é criar um espetáculo em simultâneo”, reforçou, acrescentando que a concretização desta ideia “depende dos recursos e das condições dos espaços que tenham essa capacidade”.
Para o responsável, a companhia nacional “continua a ter essa missão e capacidade de fazer lembrar que a dança existe, e é em si mesma uma forte expressão cultural portuguesa, assumindo o desafio e objetivo de chegar a mais público em cada um dos distritos de Portugal e ilhas”.
“Ainda há pessoas que não sabem que existe uma companhia nacional, por isso é importante a circulação, a mediação, abrir a performatividade a outros contextos, fazendo chegar a mais público”, salientou, como um vetor essencial do seu projeto dos próximos quatro anos.
A diversificação da divulgação da atividade da CNB – cuja nova temporada 2024-2025 começa a 04 de outubro com "Cantata", de Mauro Bigonzetti, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra – é um dos grandes objetivos do projeto de Fernando Duarte, vencedor de um concurso internacional lançado pelo Organismo de Produção Artística (Opart), para substituir o atual diretor, Carlos Prado, que termina hoje o seu mandato.
Numa casa que o viu “crescer artisticamente”, e onde teve “o privilégio” de fazer parte de uma história que atingirá 50 anos em 2027, Fernando Duarte pretende agora, nas novas funções, “trabalhar no sentido de levar a dança na mediação dos públicos, programas de residências em escolas, espetáculos para infância, conversas, levar a dança pelo país fora”.
Para Fernando Duarte, “um teatro tem o seu significado e a sua dinâmica numa determinada localidade, mas também terá uma biblioteca, uma galeria de arte, escolas ou até um espaço comercial”.
O propósito do novo diretor da CNB, nesta área, é pensar como a companhia conseguirá criar repertório ou adaptar um repertório para levar a estes espaços e dar a conhecer a outros públicos, nomeadamente as criações para a infância e para o público jovem “que futuramente venham continuar a querer ver a companhia atuar”.
“Foi isso que fiz quando fundei com a Solange Melo a Companhia Dança em Diálogos, que nos permitiu ter uma visão ampla do território da dança em Portugal”, disse o também professor de dança do Conservatório Nacional, que até 2017 criou para a CNB novas versões dos bailados "O Lago dos Cisnes" (2013), "Quebra-Nozes" (2014), "O Pássaro de Fogo" (2015) e "La Bayadère" (2016).
Nos primeiros meses das novas funções pretende “reconectar” com a CNB, e descobrir o que mudou nos sete anos em que esteve ausente: “Irei tomar conhecimento de todas dimensões de funcionamento, de recursos, de elenco, financeiros, logística de espaços, e perceber em que direções objetivas apontar”.
Posteriormente, Fernando Duarte conta “avançar no território, ser um agente de mediação entre os artistas, os públicos, e as autarquias, às quais pertence a maioria ou totalidade dos equipamentos culturais”, apontou.
Carlos Prado, diretor anterior, passa o testemunho deixando uma temporada até julho de 2025, prevendo-se o regresso da companhia ao Teatro Camões em outubro com os espetáculos "The Look" e "Supernova", de Sharon Eyal e a dupla Iratxe Ansa/Igor Bacovich, coreógrafos que entram pela primeira vez no repertório da CNB.
Fernando Duarte vai desafiar coreógrafos a adaptar literatura portuguesa à dança
O novo diretor da Companhia Nacional de Bailado (CNB), Fernando Duarte, vai desafiar coreógrafos a adaptar o património clássico da literatura portuguesa para o palco e "contar histórias com a expressividade da dança”.
“O bailado narrativo teve contextos diversos ao longo dos séculos e temos a possibilidade de o colocar à disposição dos coreógrafos. É uma forma de apresentar ao público uma história noutro prisma”, sustentou, em entrevista à agência Lusa, a dias de ocupar o cargo.
O mestre de bailado e coreógrafo conhece bem a casa onde se estreou profissionalmente há 28 anos, como bailarino principal, e regressa agora como diretor, trazendo uma visão artística com “novos modos de ver os clássicos”.
“A narratividade é importantíssima porque é a origem do bailado e da dança teatral desde o século XVIII”, sublinhou Fernando Duarte, que recusa, por outro lado, uma “cristalização no passado”.
Na Companhia Dança em Diálogos, que fundou em 2018, com a bailarina Solange Melo, o coreógrafo adaptou para a dança “O Primo Basílio” (1878), de Eça de Queiroz, e “O Memorial do Convento” (1982), de José Saramago.
“Houve uma adesão imensa do público, e em quase todos os espetáculos as pessoas reconheciam a história, ficavam saciadas naquilo que era a ideia criada no seu imaginário”, recordou, ressalvando que estas adaptações “não são, nem pretendem ser uma transformação do livro original, mas uma releitura”.
Para Fernando Duarte, este tipo de trabalho “é uma eficaz forma de reler o livro, quer para os que já leram e querem reler, e para os que nunca leram, e provavelmente poderão ler”.
“Há aqui toda uma sinergia que potencia e celebra a nossa cultura no seu amplo sentido”, defende o vencedor de um concurso internacional lançado pelo Organismo de Produção Artística (Opart), para substituir o atual diretor, Carlos Prado, que termina hoje o seu mandato.
O novo diretor da CNB recordou ainda a coreografia “Pedro e Inês” (2003), de Olga Roriz, como um exemplo bem conseguido de adaptação para a dança de uma lenda na História de Portugal.
“Foi um bailado narrativo que captou a atenção do público não só pela forma extraordinária como a Olga Roriz o desenhou, mas também pela relação pessoal que cada um tem com este episódio histórico”, salientou, na entrevista à Lusa.
Fernando Duarte reiterou que apesar de a dança ter crescido para um campo mais abstrato, há muitos exemplos na Europa de companhias que estão a retomar este caminho, nomeadamente o caso do Ballet Nacional de Berlim, com uma adaptação recente de “Madame Bovary” (1857).
Sobre a possibilidade de as próximas temporadas, já desenhadas pela nova direção, terem uma preponderância de dança clássica, e menos contemporânea, Fernando Duarte – que se escusou a adiantar, para já, ideias - disse que a visão que leva para a CNB “é verdadeiramente contemporânea”.
“Vou colocar-me na posição de perceber tudo o que foi feito nestes quase 50 anos da CNB e como conseguimos avançar e ligar uma ligação frutífera, mas também genuína e interessante entre o passado e o futuro que se quer construir”, disse.
Para o coreógrafo, a missão da companhia nacional é trabalhar um largo campo da dança, e hoje esse campo não para de aumentar: “Se há uma parte de repertório de há cem anos que se continua a apresentar, o campo da contemporaneidade está muito maior, mesmo em termos da multidisciplinaridade e nos diálogos que temos de ter com outras áreas artísticas, sem esquecer as novas tecnologias”.
“O desafio é articular e conjugar toda essa panóplia de possibilidades para públicos que querem ver mais clássico ou contemporâneo”, um debate que tem marcado estas cinco décadas da existência da CNB.
Questionado sobre a situação atual no mecenato na CNB, o novo diretor disse que pretende aprofundar essa dimensão em termos de dimensão e disponibilidade: “É uma questão difícil em Portugal, não só para a dança, mas para as artes em geral. São áreas distintas na sua essência, mas podem ter pontos em comum, e podemos criar diálogos de conteúdos e parcerias em benefícios” com os mecenas.
Até 2027, quando a CNB cumprir 50 anos de vida, Fernando Duarte quer criar “uma alameda de celebração”, recordando que a entidade “foi um primeiro fruto da liberdade da constituição de 1976”, após a revolução do 25 de Abril.
Comentários