A notícia foi confirmada na página oficial de Facebook do cantor e apanhou o mundo de surpresa na madrugada desta segunda-feira. "David Bowie morreu em paz rodeado pela sua família depois de uma luta corajosa de 18 meses contra um cancro", pode ler-se no comunicado deixado pela família na rede social que acrescenta ainda "ainda que muitos de vós partilhem connosco esta perda, pedimos que respeitem a privacidade da família durante este período de luto".
Bowie iniciou o percurso discográfico em 1967, no álbum de estreia homónimo, e apenas cinco anos depois editou um dos seus discos de referência, o quinto, "The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars" (1972). O registo viu nascer o seu alter-ego Ziggy Stardust, o primeiro de muitos, e centrou-se nas experiências desta estrela de rock imaginária, conjugando reflexões sobre a sociedade do seu tempo, da política à sexualidade, e alusões à ficção científica e ao teatro japonês kabuki.
Em 1975, chegou o primeiro êxito nos Estados Unidos, com o single "Fame", que coescreveu com John Lennon, e também graças ao disco "Young Americans".
Mais tarde, em 1977, chegou o minimalista "Low", a primeira de três colaborações com Brian Eno, conhecidas como a "Trilogia de Berlim", que entraram no top 5 britânico.
Ao lugar cimeiro da tabela musical no seu país chegou ainda com "Ashes to Ashes", do álbum "Scary Monsters (and Super Creeps)", colaborou com os Queen no êxito "Under Pressure" e voltou a triunfar em 1983 com "Let's Dance".
Em 2006, anunciou um ano sabático e desde então muitos fãs choraram a prolongada ausência que deu azo a todo o tipo de rumores sobre a sua saúde.
Esse “retiro” musical foi quebrado esporadicamente, como com a aparição surpresa num concerto de David Gilmour (Pink Floyd) no Royal Albert Hall de Londres nesse mesmo ano ou com a colaboração no álbum de canções de Tom Waits que a atriz norte-americana Scarlett Johansson publicou em 2008.
A carreira do britânico ofereceu à música canções tão memoráveis como "Ashes to Ashes", "Heroes", "Let's Dance" ou "Under Pressure" (ao lado dos Queen) e o seu percurso deu-lhe o estatuto de artista mais camaleónico do mundo, abrindo caminho para nomes tão diferentes como Roxy Music, Duran Duran, Madonna, Pet Shop Boys, Soft Cell, Suede, Marilyn Manson, Placebo ou Lady Gaga, entre inúmeros outros.
No cinema também teve um percurso relevante, com participações em "Feliz Natal, Mr. Lawrence", de Nagisa Ôshima, ou "Labirinto", de Jim Henson, reforçando o interesse por figuras e situações atípicas.
O dia seguinte e a estrela negra
Na passada sexta-feira, 8 de janeiro, dia do seu 69º aniversário, Bowie tinha editado o 25ª álbum da sua carreira, "Blackstar".
Há três anos, também no seu dia de aniversário, era lançada "Where Are We Now?", canção sóbria e meditativa escolhida para acabar com os muitos anos de silêncio, reacendendo a chama que alguns consideravam quase apagada.
Dois meses depois, um álbum de perfil rock, "The Next Day", confirmou o regresso em grande forma do artista das mil faces que permaneceu em silêncio por alguns anos, mas que foi celebrado com uma exposição itinerante que alcançou, em 2015, o milionésimo visitante durante a passagem por Paris.
Desde então, o londrino tinha-se dedicado a vários projetos, como bandas sonoras, comédia musical e algumas participações pontuais, como no último álbum dos Arcade Fire.
Bowie sempre gostou de experimentar coisas novas, o que o levou até ao jazz: o 25º álbum, sob o signo de uma estrela preta misteriosa ("Blackstar"), é atravessado por baterias epilépticas, fluxos e explosões de saxofone (o primeiro instrumento de Bowie) e uma voz de veludo, espalhando ora doçura, ora ansiedade.
O magnetismo e inesgotável força comercial do artista, que vendeu aproximadamente 136 milhões de discos em todo o mundo, fazem a sua última etapa no museu londrino Victoria & Albert, que lhe dedica uma extensa exposição, em que se explora a sua influente carreira através de 300 objetivos seus, selecionados de entre mais de 7000.
Bowie, que lutava há 18 meses contra um cancro, era casado desde 1992 com a modelo somali Iman, com a qual teve uma filha, Alexandria Zahra “Lexi” Jones. Tem outro filho, o realizador Duncan Jones, fruto de um primeiro casamento com Angela Bowie.
O cantor tinha prazer em esticar e desconstruir as próprias canções, sem dar importância aos supostos limites de três ou quatro minutos do formato normal da canção pop-rock. Esse gosto pelo desvio da norma foi tão ou mais forte na imagem, de personas como Alladin Sane ou Thin White Duke a um desafio pela experimentação também visível em muitos dos seus videoclips. Ainda assim, o cantor não fica como um caso em que a imagem se sobrepôs à música, com o muito bem acolhido "Blackstar" a registar mais um momento que o prova. E também aí a mostrar um Bowie surpreendente, agora pelos piores motivos: ninguém esperava que fosse o último.
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