O cineasta acusado de agredir sexualmente a atriz francesa Adèle Haenel quando era menor de idade vai a julgamento em Paris na segunda-feira, cinco anos depois das suas acusações terem lançado a versão nacional do movimento #MeToo.
Christophe Ruggia é acusado de agredir sexualmente Haenel – estrela de filmes como "Retrato da Rapariga em Chamas" e “120 Batimentos Por Minuto" – no início dos anos 2000, quando ela tinha menos de 15 anos e ele cerca de 30.
O caso Ruggia é um de vários que levantaram questões sobre a violência sexual na sociedade francesa, particularmente no mundo das artes.
“Estamos a falar de uma atriz famosa que compromete a sua carreira” ao fazer estas acusações, disse Yann Le Bras, advogado de Haenel.
Ruggia, 59 anos, que já foi líder do sindicato dos realizadores franceses, negou todas as acusações contra ele, embora admita ter cometido “erros”.
A “realidade”, disse Le Bras, é de “um homem de 36 anos que molestou uma rapariga de 12 durante vários anos”.
"Não é normal"
Haenel, de 35 anos, tornou-se uma figura icónica em França por se manifestar contra a “complacência” em relação ao abuso sexual na indústria cinematográfica.
Em 2019, veio a público com a descrição da agressão sexual que alegadamente sofreu às mãos de Ruggia, acusando o realizador de sujeitá-la a “assédio sexual constante” dos 12 aos 15 anos, incluindo “beijos forçados no pescoço” e toques.
Ruggia dirigiu a atriz no filme de 2002 "Les Diables", o seu primeiro papel no cinema.
Vários membros da equipa disseram aos investigadores do seu “desconforto” com o comportamento de Ruggia em relação à jovem atriz na rodagem, caracterizando-o como 'invasivo' e 'inapropriado'.
'Não está correto, parecem um casal, não é normal”, disse um dos assistentes do realizador, falando sobre o relacionamento do do homem então com 30 e poucos anos com Haenel, de 12.
Num documento judicial ao qual a agência France-Presse teve acesso, o juiz de instrução diz que as acusações de Haenel eram “precisas e consistentes” e que sofreu consequências psicológicas das agressões.
Circunstâncias potencialmente agravantes foram a considerável diferença de idade entre Ruggia e Haenel, e o "controlo psicológico" que o realizador exerceu progressivamente sobre a jovem atriz graças à sua posição de autoridade.
Ruggia sugeriu que as acusações da atriz decorrem do desejo de 'vingança' por não tê-la escolhido para outros projetos.
Se for considerado culpado de agressão sexual a uma menor, pode ser condenado a uma pena até 10 anos de prisão e multa de 150 mil euros.
Os seus advogados recusaram fazer declarações antes do início do julgamento.
"Algo de bom"
As acusações da atriz também conhecida graças a filmes como "Apollonide - Memórias de Um Bordel", "Os Combatentes", "O Homem Demasiado Amado" e "La fille inconnue", chocaram a indústria cinematográfica francesa, que tinha sido mais lenta do que Hollywood a reagir ao movimento #MeToo.
Em 2020, Haenel fez uma saída ruidosa da cerimónia dos César (os "Óscares franceses") em protesto contra um prémio para o veterano realizador Roman Polanski, que é perseguido pelos EUA por acusações de violação.
“Reconhecer Polanski é cuspir na cara de todas as vítimas”, disse Haenel na altura.
No ano passado, a atriz, que ganhou duas vezes o maior prémio de cinema da França, disse que ia abandonar a indústria por causa do que disse ser a sua complacência com predadores sexuais.
O caso é um dos vários que abalaram o mundo do cinema e das artes na França.
Gérard Depardieu, lenda do cinema com 75 anos, será julgado em março, acusado de agredir sexualmente duas mulheres, e também corre o risco de enfrentar um segundo julgamento por um caso apresentado em 2020 de alegada violação a uma atriz em 2018, quando ela tinha 22 anos e era anoréxica, que ele desmente.
E no início do ano, a atriz Judith Godrèche disse que dois realizadores franceses – Benoit Jacquot e Jacques Doillon – abusaram sexualmente dela quando era adolescente.
Godrèche acusou Jacquot de a violar durante um relacionamento de seis anos, que começou quando ela tinha 14 e ele era 25 anos mais velho. De Doillon, a atriz diz que abusou dela quando tinha 15 anos - acusações negadas por ambos.
“Acredito que fiz algo de bom para o mundo e para a minha integridade”, disse Haenel após apresentar-se em 2019.
“Não interessa se isso prejudica a minha carreira”, acrescentou.
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