Em entrevista à agência Lusa, Marta Nunes conta que fez um apelo nas redes sociais para que mulheres lhe contassem histórias de vida, "de forma livre e anónima", que servissem de inspiração para uma série de ilustrações a expor em março, no Porto.

"São todas muito diversas, algumas na primeira pessoa, tenho outras através de familiares, que contaram histórias de mães e avós. Algumas lutas continuam a ser as mesmas passado tantos anos. São histórias sobre questões laborais, sobre violência doméstica e sobre saúde mental. As pessoas sentem-se um pouco desapoiadas. Sentem falta de empatia", disse Marta Nunes.

A exposição tem por título "As mulheres do meu país", remetendo para a reportagem que Maria Lamas, jornalista, escritora, ativista feminista, publicou há mais de 70 anos, retrato sobre a condição das mulheres portuguesas.

"Ela vai para o terreno ver e recolher [histórias] sobre as mulheres, que não são domésticas felizes. São motores de trabalho. São tudo para além da vida doméstica. Tinham uma participação ativa na parte laboral e económica. O paralelismo é o mesmo", afirmou.

E Marta Nunes explica porquê: "Numa sociedade em que comunicamos por imagens, chega-nos muito o exemplo da mulher bem sucedida, que está sempre apresentável, uma imagem só de sucesso, e depois há todas estas camadas de lutas que existem por detrás, todos os dias. São lutas que merecem ser faladas, porque têm a ver com a realidade de muitas das mulheres do meu país".

A artista pegou nas características de cada uma das histórias partilhadas e, de uma forma simbólica e minimalista - mantendo as autoras no anonimato -, condensou-as numa ilustração em papel.

Marta Nunes, 37 anos, formada em Arquitetura, dedica-se atualmente apenas à ilustração. Expõe regularmente há mais de dez anos, com uma identidade visual depurada, com poucas cores, de pendor narrativo e socialmente interventiva.

A mulher tem sido o foco central do seu trabalho, e perdeu a conta às mulheres que já desenhou.

Em 2019, Marta Nunes publicou um livro, juntamente com Marília Ribeiro, com recolha de testemunhos de mulheres do Alentejo - "Mulheres, Trabalho e Alentejo" - e inaugurou uma exposição dedicada à representação da mulher nas fotografias de Artur Pastor.

Quando desenha retratos de mulheres anónimas - como os que fez para a próxima exposição -, Marta Nunes espera que as imagens sirvam "de sensibilização do público em geral para muitas lutas que até existem de uma forma muito próxima e para as quais, se não estivermos atentos aos sinais, as deixamos passar".

Da Arquitetura, Marta Nunes disse que retira sobretudo os ensinamentos da escala e do minimalismo, para uma ilustração que, em termos de técnica, "continua a ser profundamente manual".

"Esta conjugação do preto com outra cor ajuda-me a criar essa tensão e intenção na mensagem das coisas que tenho estado a representar. O pensar para mim está muito perto da ponta do lápis, ou da caneta e estas imagens surgem sempre assim, ou seja, não consigo olhar para um monitor e começar a desenhar", explicou.

A exposição "As mulheres do meu país" é inaugurada a 12 de março, na galeria Padaria Águas Furtadas, no Porto.

Já a série dedicada às mulheres na obra de Artur Pastor voltará a estar exposta, também em março, a partir do dia 08, no Arquivo Histórico de Albufeira, no Algarve, a propósito dos cem anos do nascimento do fotógrafo português.