O produtor de Hollywood Harvey Weinstein foi considerado culpado de agressão sexual e violação em duas das cinco acusações que enfrentava em tribunal.
Após quase um mês de julgamento e cinco dias de deliberações, o júri considerou Weinstein culpado de violação em terceiro grau da ex-atriz Jessica Mann em 2013 e de praticar sexo oral com a ex-assistente de produção Mimi Haleyi em 2006.
Apesar de a equipa de defesa já ter confirmado o pedido de recurso imediato para a instância superior, o produtor de 67 anos foi detido e algemado em tribunal.
O juiz James Burke rejeitou os apelos da advogada de defesa para o manter em liberdade sob a fiança por um milhão de dólares por causa do estado de saúde.
A sentença será conhecida a 11 de março: o crime de violação em terceiro grau implica uma pena até cinco anos de prisão, enquanto a do ato sexual criminal em primeiro grau pode resultar numa pena de entre cinco e 25 anos de prisão.
O júri absolveu-o das acusações mais graves de agressão sexual predatória, envolvendo duas mulheres, Miriam Haley e Jessica Mann, que poderiam determinar uma condenação a prisão perpétua.
Ao fazê-lo, os sete homens e cinco mulheres indicaram que não conseguiram decidir "além de qualquer dúvida razoável" que Weinstein também tinha violado em 1993 a atriz Annabella Sciorra, um caso que já prescreveu mas cujo testemunho os procuradores usaram para tentar estabelecer um comportamento predatório.
Este desfecho adivinhava-se na sexta-feira, quando o tribunal de Nova Iorque foi informado que havia um acordo sobre três das cinco acusações, mas não sobre as mais graves, e questionado se podia ser aceite um acordo apenas sobre parte das acusações.
Após consultas do juiz, a defesa do acusado declarou-se favorável a uma decisão parcial, enquanto a procuradora Joan Illuzzi-Orbon, que representa a acusação, disse "não estar disposta a aceitar" uma decisão desse tipo "nessa etapa" do processo.
O procurador-geral do distrito de Manhattan Cy mostrou satisfação pelo veredito e descreveu Weinstein como "um brutal predador sexual em série que usou o seu poder para ameaçar, violar, agredir, enganar, humilhar e silenciar as suas vítimas".
Elogiando as seis mulheres que testemunharam como "corajosas" e "heroicas" que "mudaram a direção da História", assegurou que a pena pelos crimes nunca será inferior a cinco anos.
Por sua vez, o movimento Time's Up, que luta contra o assédio e a agressão sexual no ambiente de trabalho, afirmou que o veredito é uma "nova era de justiça, não apenas para quem as que quebraram o silêncio, que falaram apesar do grande risco pessoal, mas para todas as sobreviventes de assédio, abuso e agressão no trabalho".
Um caso histórico para o movimento #MeToo
O famoso produtor cujos filmes ganharam 80 Óscares era acusado pelos procuradores de Nova Iorque de ser um predador sexual, de agressão sexual e violação.
Harvey Weinstein foi denunciado por mais de 80 mulheres desde que o escândalo eclodiu em outubro de 2017, a génese do movimento #MeToo. Entre as acusadoras estão a atriz mexicana Salma Hayek e a americana Gwyneth Paltrow.
No entanto, apenas estava a ser julgado no tribunal criminal de Manhattan por dois casos: a suposta agressão sexual contra a ex-assistente de produção Mimi Haleyi, que o acusa de ter feito sexo oral contra a sua vontade em 2006, e a alegada violação da ex-atriz Jessica Mann em março de 2013. A maioria dos outros crimes prescreveu.
O produtor de "Pulp Fiction" e "A Paixão de Shakespeare" é o primeiro homem acusado de agressão sexual no âmbito do #MeToo a ser julgado criminalmente.
A acusação disse no julgamento que Weinstein aproveitou o seu imenso poder na indústria cinematográfica para agredir sexualmente aspirantes a atrizes e funcionárias do setor durante anos.
Este, pelo contrário, sempre negou ter cometido agressões sexuais e diz que sempre manteve relações consensuais com quem o acusou.
A defesa mostrou ao júri dezenas de e-mails que comprovavam que as duas acusadoras mantiveram um relacionamento afetuoso com o produtor durante anos após os alegados ataques, incluindo relações sexuais consensuais.
Em tribunal, a procuradora Joan Illuzzi-Orbon garantiu que as acusadoras "não têm motivos para mentir".
"Porquê passar por todo esse stress de testemunhar se não estão a dizer a verdade?", questionou durante o julgamento.
"Sacrificaram a sua dignidade, a sua intimidade, a sua tranquilidade na esperança de fazer as suas vozes serem ouvidas", acrescentou.
A advogada que liderava a defesa, Donna Rotunno, disse que as acusadoras manipularam Weinstein para avançar nas carreiras e instou o júri a ter "a coragem" de tomar uma decisão que admitiu ser "impopular": absolver o seu cliente, o que acabou por não acontecer.
Rotunno lembrou ao júri que, para condenar o acusado, deve ter certeza da sua culpa "além de qualquer dúvida razoável" e lembrou que a procuradoria não apresentou provas forenses ou chamou a polícia como testemunha.
Os jurados tinham de chegar a um veredito por unanimidade para cada uma das acusações.
Weinstein enfrenta uma investigação paralela por crimes sexuais em Los Angeles e também é alvo de vários processos civis.
Um "monstro"
As atrizes Ashley Judd, Gwyneth Paltrow, Kate Beckinsale, Uma Thurman e Salma Hayek acusaram-no de assédio ou agressão sexual. Asia Argento, Rose McGowan e Paz de la Huerta, de violação. Mira Sorvino e Ashley Judd garantem que ele acabou com as suas carreiras porque elas não cederam ao seu assédio.
Muitas contaram que o irascível e impaciente Weinstein marcava encontro consigo em quartos de hotel, onde as recebia apenas tapado por uma toalha de banho e propunha que dessem ou recebessem massagens ou que o vissem masturbar-se.
Mas o ex-produtor, de cerca de cem quilos, será julgado criminalmente apenas por duas acusações que não prescreveram: ele foi acusado de forçar a ex-assistente de produção Mimi Haleyi a receber sexo oral contra a sua vontade em 2006 e de violar em 2013 outra mulher cuja identidade permanece em sigilo.
"Durante anos, ele foi o meu monstro", escreveu a atriz mexicana Salma Hayek, ao relatar o que viveu durante as filmagens de "Frida", em 2002. Diante das suas reiteradas rejeições, Weinstein reagia com "ira maquiavélica" e ameaçava matá-la.
Das cinzas do império que construiu, nasceram movimentos como o #MeToo e o Time's Up, que incentivaram dezenas de milhares de mulheres no mundo inteiro a denunciar nas redes sociais homens poderosos que praticaram abusos ou assédio e começaram uma mudança de atitude: tolerância zero para com este tipo de conduta.
A descida aos infernos
Uma grande investigação sobre a sua má conduta sexual, publicada no jornal The New York Times a 5 de outubro de 2017, somada a outra reportagem na revista The New Yorker, originaram um escândalo que acabou com a sua carreira, o seu casamento e a sua reputação.
Foi expulso da Academia de Cinema dos Estados Unidos e da sua própria empresa, a The Weinstein Company (TWC).
Em novembro de 2017, um mês depois de o escândalo vir à tona, internou-se num centro de reabilitação para tratar a dependência de sexo.
A sua segunda esposa, a designer de moda britânica Georgina Chapman, com quem teve dois dos seus cinco filhos, divorciou-se dele.
Weinstein está em liberdade após ter pago uma elevada finança. Usa uma pulseira eletrónica e permanece recluso numa casa alugada num subúrbio nova-iorquino, perto dos filhos mais novos.
As suas escapadas a Manhattan são perigosas: em outubro, várias mulheres atacaram-no num bar, chamando-o aos gritos de "violador" e "monstro" até serem expulsas do local.
No mês passado, apareceu em tribunal pálido, caminhando com um andarilho antes de ser operado às costas devido a um acidente de carro sofrido em agosto.
O rei dos Óscares
Nascido em Queens a 19 de março de 1952, filho de um lapidador de diamantes, Weinstein estudou na Universidade de Buffalo e inicialmente produziu concertos de rock com o seu irmão, Bob.
Ambos cofundaram o seu primeiro estúdio de cinema, a Miramax, em 1979. Os seus sucessos incluíram "Sexo, mentiras e vídeo", de Steven Soderbergh (1989) e "A Paixão de Shakespeare" (1998), vencedor de sete estatuetas e com o qual Weinstein ganhou um Óscar de melhor filme.
A Miramax também produziu o primeiro grande sucesso de Quentin Tarantino à escala global, "Pulp Fiction" (1994) e "O paciente inglês" (1997, nove Óscares).
A Miramax foi vendida à Disney em 1993 e os irmãos deixaram a empresa em 2005 para fundar a The Weinstein Company.
Ao longo dos anos, os filmes de Weinstein receberam mais de 300 nomeações aos Óscares e arrecadaram 81 estatuetas.
O produtor chegou a ter uma fortuna pessoal entre 240 milhões e 300 milhões de dólares, que diminuiu rapidamente após cair em desgraça.
Os promotores asseguram que o acusado vendeu seis propriedades por um montante total de 60 milhões de dólares nos últimos dois anos para pagar custos legais e financiar as suas duas ex-mulheres.
A Weinstein Company declarou falência no ano passado e foi comprada pelo fundo de investimentos Lantern.
Em dezembro, Weinstein chegou a um acordo de 25 milhões de dólares com mais de 30 atrizes e ex-funcionárias que o processaram. A conta será paga pela sua antiga empresa e empresas de seguros.
Hoje, Weinstein inspira Hollywood, mas como o vilão do filme. Um longa-metragem de suspense baseada no escândalo, intitulada "The Assistant", tem estreia prevista para o fim de janeiro e está no forno outro filme com produção de Brad Pitt, que encarou Weinstein em 1995 e ameaçou matá-lo se não parasse de assediar sexualmente a sua namorada na época, Gwyneth Paltrow.
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