“Há aqueles postais dos Açores que são incontornáveis, mas, a nós, interessa-nos fazer uma triagem da vivência, do olhar para pormenores, das assimetrias que existem, sociais, culturais, geográficas, de cores, de intensidade”, adianta à Lusa o ator, encenador e cofundador do Teatro Meridional Miguel Seabra.

O encenador da peça esteve em São Miguel e na Terceira, em residência artística, com a também atriz e encenadora Natália Luíza, que, neste projeto, veste o chapéu de dramaturga, e uma equipa que inclui músicos, cenógrafo, figurinista, assistente de encenação e produção.

“Esta primeira viagem com os criativos é para arranjarmos vários denominadores comuns estéticos e plásticos, e gosto da palavra sensorial neste projeto, para ficarmos alinhados com um norte para o espetáculo”, adianta.

Depois, há um “processo criativo de funil. Há uma primeira camada em que tudo conta – fotografias, muita imagem iconográfica, muitos livros também, muita poesia”, mas vai sendo feita uma triagem, que irá guiar o processo.

“Ilhas”, o nome provisório do novo espetáculo, insere-se no projeto Províncias, em que “as regiões inspiram criativamente uma determinada estética”.

“Estes espetáculos têm duas características principais: não usam a palavra como principal forma de comunicação cénica, portanto, não há um uso de texto […] e têm música ao vivo e música gravada”.

“Existe uma paisagem sonora constante, que acompanha todo o tempo do espetáculo, e há muita expressão cultural, movimento, teatro gestual – que não tem a ver com mímica –, mas encontramos momentos significativos através da improvisação. Vamos edificando o espetáculo assim e depois encontramos uma linha que faz o arco de todo o espetáculo”, explica Miguel Seabra.

Para esta criação, há “uma ideia geral dos Açores que estará sempre subjacente, inevitavelmente – são ilhas, rodeadas de mar, há um isolamento geográfico impossível de contornar - e o isolamento é um potencial fantástico, do ponto de vista criativo, as ilhas são muito ricas”.

O encenador reconhece a origem vulcânica, com tudo o que isso comporta”, a variação climatérica, e também “uma forte influência religiosa”, a presença de “assimetrias sociais” e uma “forte influência musical”, para além do fenómeno da emigração.

Todas estas questões podem, de alguma forma, entrosar-se no espetáculo, mas Miguel Seabra destaca “elementos cénicos muito, muito fortes”, numa terra onde os “quatro elementos da natureza” estão sempre presentes: “o fogo do vulcão, o ar do vento por onde está, são ilhas no meio do mar, água não falta à volta, e terra… São estes pedaços de terra que dão este deslumbre paisagístico”.

A inquietação de uma companhia que, “para o ano, faz 30 anos, e sempre fez muita itinerância” e que tem marcado no seu percurso “o deslocamento, o lidar com o outro, o descobrir outras maneiras de estar”, trará, ao Teatro Micaelense, em São Miguel, nos dias 9 e 10 de dezembro, o espetáculo inspirado nas “Ilhas” açorianas, seguindo-se uma itinerância que ainda só tem prevista a passagem pela Terceira.

O projeto Províncias chega, assim, aos Açores, depois de ter arrancado, em 2003, no Alentejo, com a peça “Para Além do Tejo” em 2003, que recebeu o Prémio Nacional da Crítica em 2004, da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro.

Em 2006, a companhia trabalhou Trás-os-Montes, com “Por Detrás dos Montes”, e passou por Guimarães, em 2012, no âmbito de Guimarães Capital Europeia da Cultura, e pelo Minho, em 2019, com o espetáculo “Ca_Minho”.

“Ilhas”, nome provisório da peça que se estreia em dezembro, é uma coprodução do Teatro Meridional, do Teatro Nacional Dona Maria II e do Teatro Micaelense.