O Supremo Tribunal da Pensilvânia anulou esta quarta-feira, dia 30 de junho, a sentença de Bill Cosby de três a nove anos de prisão por ter drogado e abusado uma jovem em 2004. A nova decisão permitiu ao comediante norte-americano, de 83 anos, recuperar a liberdade, depois de passar mais de dois anos numa prisão. A decisão foi baseada em questões processuais, mas não irá apagar a mancha que o julgamento deixou.

Durante as três semanas de audiências, em abril de 2018, Bill Cosby aparentava estar cansado e revelou estar parcialmente cego. Permaneceu calado enquanto seis mulheres relatavam os supostos abusos, entre elas Andrea Constand, a única que conseguiu levar o ator a julgamento, porque suas acusações ainda não tinham prescrito.

A imagem de Cosby no tribunal contrastava com a do homem que foi durante toda a sua carreira: carismático e de voz rouca, capaz de fazer o público rir com um simples erguer de sobrancelha.

William Henry Cosby Jr. foi o primeiro ator negro a protagonizar uma série televisiva de sucesso, "I Spy". Também foi o primeiro negro a vencer um Emmy, o maior prémio da televisão norte-americana. Ao longo da carreira, o ator venceu novamente o galardão em 1967 e 1968.

Antes da televisão, Cosby trabalhou em teatro e foi nos palcos que começou a imprimir a sua marca na cultura popular norte-americana. As suas apresentações a solo marcaram várias gerações de comediantes, entre eles Jerry Seinfeld, pela sua capacidade de comunicar o seu universo ao público, usando uma linguagem desprovida de vulgaridade.

Embora também tenha passado pelo cinema, foi na televisão que se consagrou, especialmente com sua criação "The Cosby Show", exibida entre 1984 e 1992. A série, sobre uma família negra burguesa unida em torno da figura patriarcal de 'Cliff Huxtable', ginecologista respeitado e com grande sentido de humor, rendeu ao ator dois Globos de Ouro e muitos outros prémios, e tornou-se num dos maiores sucessos da história da televisão.

"Provavelmente não teríamos tido um Barack Obama na Casa Branca se não tivéssemos tido o 'The Cosby Show'", defendeu, em 2013, Oprah Winfrey. "Porque a série fez os Estados Unidos descobrirem uma forma de ver os negros e a cultura negra que não conheciam", frisou a apresentadora.

O pai ideal

Com a sua imagem de pai ideal, que, fora dos ecrãs, defendia os valores da família e incentivava os jovens negros a não abandonarem os estudos, Cosby tornou-se um exemplo para a comunidade negra. Acusado por mais de 60 mulheres de assédio, agressão sexual ou violação, a sua queda foi traumática, e muitos dos seus fãs sentiram-se traídos.

Nascido a 12 de julho de 1937, na Filadélfia, o ator cresceu com uma mãe que fazia trabalhos de limpeza, um pai que era cozinheiro na Marinha e três irmãos, enquanto rapidamente ganhava fama de ser o 'palhaço da turma'.

Depois de entrar na Marinha, no final dos anos 1950, o norte-americano conquistou uma bolsa de estudos na Temple University da Filadélfia devido às suas capacidades para o desporto, em 1961, antes de estrear como comediante no teatro de improviso.

Durante vários anos, foi administrador honorário da Temple, sendo demitido do conselho de administração em 2014, quando começaram a surgir as denúncias de agressão sexual. No final de 2015, foi acusado formalmente de agredir sexualmente Andrea Constand.

Cosby perdeu outros títulos e quase todo o apoio de celebridades, como o da cantora Jill Scott e o da atriz Whoopi Goldberg. No segundo processo que enfrentou, nenhuma celebridade apareceu para apoiá-lo em tribunal.

A mulher do ator, Camille, com quem teve cinco filhos - um dos quais foi morto a tiro em 1997 - permanece ao seu lado.