Rui Catalão, em declarações à agência Lusa, disse que os quadros da pintora italiana Artemisia Gentileschi (1593-1653), que se autorretratou sucessivamente como “Judite”, foi a sua inspiração, sendo que o seu trabalho como autor “tem conotações autobiográficas”.

A história de Judite é um episódio bíblico, contado no Livro Deuteronómio do Antigo Testamento, segundo o qual o rei de Babilónia Nabucodonosor, entre 158 e 157 antes de Cristo, enviou um exército comandado por Holofernes para submeter os povos que resistiam ao domínio da sua coroa.

Durante o cerco a Betúlia, a bela viúva judia Judite, acompanhada pela sua serva, conseguiu entrar no acampamento militar, seduzir Holofernes, com quem bebeu até o embriagar, e decapitou-o enquanto dormia. Regressou a Betúlia com a cabeça do general, tornando o seu povo vitorioso face ao grande Nabucodonosor.

O episódio inspirou pintores, como Caravaggio, Botticelli, Donatello, Lucas Cranach, o velho, Goya e Klimt, entre outros, mas também vários compositores, entre os quais Mozart, que compôs “Betulia liberata”, António Vivaldi ("Juditha Triumphans"), Alessandro Scarlatti e Francisco António de Almeida ("La Giuditta") ou Jacob Pavlovitch Adler, que compôs uma opereta ("Judith and Holofernes").

“Este é um episódio que de facto tem sucessivamente atraído artistas ao longo de diversas épocas, quer no teatro, quer na literatura ou na pintura, e há que não esquecer que há outras personagens posteriores a Judite que mais não são que revisitações à Judite. Eu podia fazer esta peça e chamar-lhe Inês, e era uma forma de fazer a minha Judite. A Salomé [outra figura bíblica que pediu a cabeça do profeta João Batista], não é mais do que uma forma de reencarnar a Judite”, afirmou à Lusa Rui Catalão.

A decisão de Catalão em fazer “um texto novo da Judite” foi quando conheceu a pintura de Artemisia Gentileschi, indagando-se sobre o papel da serva, que “é referenciada de raspão na Bíblia e surge sempre nos quadros”.

Para o autor foi interessante “dar continuidade a um tema clássico e também ao da autobiografia”, com que são conotados os seus trabalhos.

Referindo-se ao seu texto, Catalão afirmou: "A minha história é um estudo psicológico das duas personagens principais. Segundo a Bíblia, nós não ficamos a conhecer nada do Holofernes, a única coisa que verbaliza é que era uma vergonha não possuir uma mulher tão bela como a Judite. A Judite faz umas orações, mas não é propriamente um estudo psicológico e, além destes dois, também da serva que para mim é um mistério” disse.

“Qual é a sua importância, qual o papel da serva, é um mistério”, reforçou.

A peça fica em cartaz, na sala estúdio do Nacional D. Maria, a partir de quinta-feira até 27 de março, com Ana Guiomar, Cláudia Gaiolas, Tiago Vieira, Rui Catalão. Os figurinos são de Carlota Lagido e situam-se “entre o glam e o punk, nos anos 1970, quando surgiram os Roxy Music, David Bowie, os New York Dolls”.