O espectáculo tem conceção, texto e direção do diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), Pedro Penim, direção musical de Filipe Sambado, direção vocal de João Neves, e estreia-se no Teatro S. Luiz, integrado no ciclo "Abril abriu" do TNDM.
O título vem do primeiro verso de “E depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, a primeira senha para a revolução. Sucedem-se poemas, canções e palavras de ordem que atravessam passado e presente, sempre com Abril em vista.
O arranque de “Quis saber quem sou” é dado pelo ator Vasco Seromenho, num texto interpretado em Língua Gestual Portuguesa, legendado. Depois, sucede-se uma narrativa apoiada num cancioneiro de alerta e revolta, testemunho da realidade e de sonho de futuro, que vai do pioneiro da folk Woody Guthrie a B Fachada e Ermelinda Duarte, de José Afonso e José Mário Branco a Sérgio Godinho e Fausto.
“Em momento algum [a peça] tenta dizer que estamos no mesmo ponto" em que se deu o 25 de Abril, disse Pedro Penim à imprensa, no final de um ensaio. Ela é “uma espécie de clamor, de pedido de ajuda” a uma geração de “compositores, poetas, políticos, agentes diretos na ação militar, na ação política e na ação popular”, como se constituíssem “uma espécie de altar ateu” a quem “estamos a pedir inspiração para o momento que estamos a viver.”
"Quis saber quem sou" é afirmação de identidade. Pedro Penim assume que a narrativa remete para uma ideia de resistência e revolta.
A diretora musical, Filipe Sambado, por seu lado, reforça a ideia de alerta: "A quantidade de pessoas que não consegue minimamente organizar a sua vida caminha, a passos largos, para uma realidade de um regime fascista muito, muito perigoso."
Os 50 anos do 25 de Abril “marcam o compasso” em palco. O património artístico invocado é “também um património político”, assente na intenção de reativar um cancioneiro português que Penim define como importantíssimo. Trata-se de “honrar e trazer para a atualidade” esse espírito. “Precisamos de aliados, para que se oiça cada vez mais este cancioneiro”.
Sem “nenhuma veleidade” de querer dizer que Portugal está a passar “pela mesma coisa que passou na ditadura” - “mal seria” –, Penim explica que a peça articula tempos da ditadura e da Revolução, como o Verão Quente de 1975 (quando nasceu), sem esquecer o “mau fado” que turva o 50.º aniversário de Abril.
O espetáculo “não se limita a celebrar” a efeméride. “Chama a atenção para os perigos [que a] ensombram", uma sombra que não foi assim “tão inesperada”, atendendo ao que acontece um pouco por toda a Europa, afirmou.
É todavia uma sombra que permitiu “chegar ao estado a que chegámos”, disse Penim parafraseando Salgueiro Maia, "razão por que o espectáculo resgata o sonho, o potencial revolucionário do 25 de Abril", "com as limitações [do palco], as suas características, com aquilo que nos é possível, porque apesar de ser um espetáculo politizado não deixa de ser uma obra teatral.”
A ação decorre num cenário em forma de anfiteatro, rodeado de espelhos, com blocos retangulares para onde os atores vão subindo em momentos mais intensos. Com uma ”piscadela de olho” aos anos 1970, o figurino de Luís Carvalho “podia estar numa Moda Lisboa”, segundo Penim.
“Grândola, vila morena”, a senha decisiva de Abril, não falta. O arranque do cancioneiro é dado em coro com “Acordai” (1946), canção heroica de Fernando Lopes-Graça, proibida pela censura.
“All you fascists bound to lose” (1944), de Woody Guthrie, está entre as canções revisitadas, assim como “Que força é essa amigo” e "Maré alta", de Sérgio Godinho (“Sobreviventes”, 1971), “Lembra-me um sonho lindo”, de Fausto, (“Por este rio acima”, 1982), “A cantiga é uma arma” (1976) do Grupo de Ação Cultural – Vozes na Luta, de que José Mário Branco fez parte, a que se juntam temas mais recentes, de B. Fachada ou Filipe Sambado. Um desfiar de canções tão “importantes e queridas”, que Sambado desafiou Penim a editá-las em disco.
“Quis saber quem sou” é trespassado por inquietação sobre acontecimentos, com canções e poemas que “durante muito tempo se pensou datados”. Mas "as situações que aparentemente nos pareciam encerradas”, de repente passaram "a fazer tanto sentido" como outrora, diz Penim. E conclui: "A possibilidade de perigo" sobre os direitos fundamentais é palpável.
Filipe Sambado lembrou que "o que está a acontecer [...] no país é completamente assustador", com "as forças de segurança e militares muito mais ligadas ao problema e menos à solução."
A interpretar estão Bárbara Branco, Ana Pereira, Eliseu Ferreira, Francisco Gil Mata, Inês Marques, Jéssica Ferreira, Joana Bernardo, Joana Brito Silva, Manuel Encarnação, Pedro Madeira Lopes, Rafael Ferreira, Rute Rocha Ferreira e Manuel Coelho.
Com Língua Gestual Portuguesa, a peça vai estar em cena na sala Luis Miguel Cintra, até dia 28.
Tem récitas de terça-feira a sábado, às 20h00, e ao domingo, às 17h30. Nos dias 26 e 28 terá audiodescrição.
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