![Vodafone Paredes de Coura 2014, dia 3: Da garagem à discoteca](/assets/img/blank.png)
Os galopes de Killimanjaro preenchiam com alguma facilidade os ouvidos, mas o anfiteatro principal do Vodafone Paredes de Coura manteve-se quieto. Com uma avalanche de riifs, em jeito de homenagem aos Black Sabbath e com umas semelhanças com os suecos Graveyard, o conjunto barcelense fez o que podia para agitar os corpos lá da frente. O seu único disco, “Hook”, está ainda muito fresco, mas já se esperava uma mínima legião de fãs capaz de se denunciar numa ocasião como esta. Uma banda que, com espaço para crescer, verá, com certeza, uma melhor oportunidade de se mostrar a um público desta dimensão, disposto a empoeirar o recinto.
O duo composto pela multi-instrumentista Arone Dyer e pela guitarra de Aron Sanchez responde em palco por Buke & Gase. A sua composição atípica, ritmada por armas incomuns, angariava curiosos junto ao Palco Vodafone FM – fosse pelos graves potentes de Sanchez ou pela tentacular Dyer, que usava os pés para a percussão, as mãos para uma guitarra e a voz aguda para encantar, havia quem chegasse mais perto para perceber o que realmente acontecia. Apresentava-se “General Dome”, segundo disco dos norte-americanos, e a introdutória ‘Houdini Crush’ colocou as cartas na mesa. A jogada foi original e todas as faixas se destacaram por algum motivo, com menção especial à dançável ‘Split Like A Lip, No Blood On The Beard’. Uma banda capaz de dar o salto para oportunidades maiores e que verá a sua fatia de apreciadores por cá aumentada.
Os nacionais Linda Martini completaram em 2014 um trio de espectáculos efetuados no palco principal de Paredes de Coura, regressando sempre com um disco novo ao festival. Desta vez, apresentou-se “Turbo Lento”, um disco mais indicado para ser visto ao vivo do que escutado em casa. O seu alinhamento visitou também ‘Juventude Sónica’, ‘Nós Os Outros’ e ‘Belarmino’, de “Casa Ocupada”, mas as maiores surpresas foram para a inclusão das já clássicas ‘Estuque’ e ‘Lição de Voo Nº1’, que deverão ter ajudado a recordar as passagens anteriores no festival.
O entusiasmo da banda acabou por ir contra o mau som, que mostrou e o seu perfume pareceu algo ultrapassado até nos momentos finais de ‘Cem Metros Sereia’. Mesmo com uma audiência muito preenchida, não existiram os afetos verificados noutros momentos, nem mesmo após uma invasão de palco com direito a stage dive do baterista Hélio Morais.
Max Bloom e os seus Yuck têm apenas dois discos lançados, mas conseguem extrair um bom punhado de malhas para compor um repertório sólido. Testemunharam-se momentos agradáveis com ‘Get Away’ e ‘Middle Sea’, que tanto nos lembrou The Cure, Oasis ou My Bloody Valentine. Ainda que sem Daniel Blumberg, que co-liderava o projeto londrino mas acabou por seguir uma carreira a solo, o núcleo dos Yuck recomenda-se, com as suas referências a destoarem ao fim de alguns minutos a interiorizarmos a sua música ao vivo. Com apenas cinco anos de existência e com espaço para crescer, não será surpresa se derem um salto maior na carreira com um terceiro disco.
Os Bright Eyes construíram, desde 1995, um legado dentro do indie rock, graças a Conor Oberst, seu fundador, cuja história se faz a solo desde 2008. O músico norte-americano tem “Upside Down Mountain” fresco para revelar em palco, mas não esquece aquilo que fez com a sua banda. ‘Time Forgot’ e ‘Zigzagging Toward The Light’ dão o mote para uma plateia que se despe com o passar dos minutos, perante a queda do espectáculo numa linha «demasiado» pop para os ambientes de Paredes de Coura, com apenas algumas dezenas de pessoas a guardarem o lugar perto das grades. Não que o músico não pudesse encantar, mas dada a hora de jantar e o que se seguia, Conor Oberst terá sido o sacrificado da noite.
O que se seguia, já na tenda Vodafone FM, eram os Perfect Pussy. O seu nome obsceno pode não suscitar a melhor primeira impressão, mas a febril vocalista Meredith Graves enfurece uma plateia sedenta de violência logo nos primeiros acordes da banda.
As movimentações tornam-se cada vez mais bruscas e o caos ganha expressão lá nas linhas da frente, tomando por assalto quem ousasse ver o concerto de forma tranquila. “Say Yes To Love” é um disco explosivo, que tem a sua pólvora dissecada em palco, e o noise que contorna o punk mais hardcore dos nova-iorquinos fez tremer os ouvidos até ao último segundo. Violência gratuita de forma perfeita, num dos momentos mais espectulares de todo o festival.
Os Black Lips podem, em parte, lembrar os The Black Keys, mas a sua abordagem é muito diferente. Enquanto Dan Auerbach e Patrick Carney (que até co-produziu o último disco de Black Lips) migraram a sua música, os Black Lips mantêm o seu espírito sóbrio do garage rock. O concerto atinge a fronteira da folia, com aparentes rolos de papel higiénico a serem atirados do palco e voando sobre as cabeças dos festivaleiros. Particularmente conhecidos por saberem fazer a festa ao vivo, os Black Lips deram a quantia de rock necessária para se afirmarem como os ‘Bad Kids’ que gravaram em “Good Bad Not Evil”, embora o disco mais recente, “Underneath The Rainbow”, também se tenha vincado, de alguma forma, no alinhamento. Um concerto interessante q.b., sem impressionar nem desiludir.
Depois do rock, o Vodafone Paredes de Coura entregou-se à eletrónica dos australianos Cut Copy. “Free Your Mind” é apenas um motivo da sua passagem por cá, depois de passarem por alguns dos principais festivais do mundo.
O trio liderado por Dan Whitford preocupa-se em trazer a dança ao festival. O público abarca a ideia e as mãos surgem pelo ar ao longo dos temas – uma espécie de discoteca de grandes proporções, com inspeções feitas num rock alternativo disfarçado. Apesar deste disco novo, é com o célebre “In Ghost Colours” que a assistência dá o litro: ‘Hearts On Fire’, ‘Feel The Love’ e, a finalIzar, ‘Lights And Music’ garantem um festão agradável para uns, monocórdico para outros, mas com um balanço natural de que a dança também tem lugar num festival sem preocupações de géneros.
Depois de Black Lips e Cut Copy partilharem o estatuto de cabeças de cartaz deste dia do Vodafone Paredes de Coura, as atenções voltaram-se para o shoegaze e carácter lo-fi de Cheatahs. Uma plateia numerosa, tanto de passagem para a saída como para os últimos copos dentro do recinto, preenchia as vistas dos britânicos. O seu primeiro e único disco, homónimo, é em palco aquilo que é por si só: um estudo recente do trabalho inovado por My Bloody Valentine no início dos anos 90. Não só os Cheatahs se aproximaram, e muito, da referência, como ainda protagonizaram um momento de ruído como os tornados habituais da banda de Kevin Shields. Uma banda-emulador a arrumar as guitarras antes do DJ set de Fort Romeau, a dar continuidade aos passos de dança alcançados por Cut Copy.
Contam-se, então, as horas para o derradeiro dia do Vodafone Paredes de Coura 2014, onde James Blake e Beirut são os mais aguardados.
Texto: Nuno Bernardo
Fotografias: Hugo Sousa
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