“Só toco o ‘Bailinho’ [da Madeira] e toco para afinar”, admitiu à Lusa, dizendo que fugia das aulas de música quando era miúdo, porque considerava que “aquilo era terrível”.
Divertido e sorridente, ora cofiando as barbas, ora gesticulando, contou: “Naquela altura, a disciplina de música chamava-se Canto Coral e era dada por um padre e o único contacto que tive com um instrumento foi quando ele levou para a sala um harmónio, que é como um pequeno órgão. Fez-se uma fila com os alunos e cada um teve direito a tocar uma nota. Este foi o único contacto que tive com um instrumento durante as aulas de música.”
Carlos Jorge Rodrigues, 58 anos, com oficina no centro do Funchal, há 30 anos que se dedica ao ofício de construir essencialmente instrumentos tradicionais, como o machete, o rajão, a viola de arame e o braguinha. No entanto, trata por ‘tu’ qualquer tipo de cordofone.
O seu ‘rótulo’, que é o garante da origem dos instrumentos que produz, é o único feito à mão no universo dos fabricantes portugueses.
O mestre diz ter caído “de paraquedas” no ofício, tem clientes espalhados pelo país e pelo mundo, sobretudo na Europa, apontando o caso do músico Júlio Pereira que vai deslocar-se em breve à Madeira para ‘levantar’ o braguinha que lhe encomendou.
Mergulhado no “caos” da pequena oficina, no meio de madeiras, ferramentas, máquinas e instrumentos em várias fases da construção, declarou que a paixão pelos cordofones começou através dum amigo, “nos quentes anos 70”.
“Arranjámos um espaço para dar apoio aos alunos do Conservatório de Música da Madeira no âmbito da construção e manejo de flautas de bambu e foi nesse ambiente que surgiu a ideia de fazer instrumentos de corda tradicionais”, lembrou.
Depois de três décadas, Carlos Jorge é violeiro profissional, amigo de quase todos os mestres violeiros do país e conhecedor esclarecido dos segredos dos cordofones.
“Somos uma comunidade relativamente pequena. Há anos, estava cada um virado para o seu lado, trabalhando em segredo. Por exemplo, quando eu era miúdo e parava à porta da oficina dum violeiro para ver o que estava a fazer, ele mandava-me logo andar. Mas o segredo é um mito. O verdadeiro segredo é o carinho que depositamos sobre a coisa, o gostar de fazer e o fazer bem feito”, relatou.
Para Carlos Jorge é fundamental conhecer bem as madeiras e revelou preferir as mais velhas e secas, porque são determinantes para a estabilidade do instrumento quando ele estiver sobre a pressão das cordas.
“É o caso destas tábuas de carvalho do século XVIII, que foram retiradas duma casa inglesa e que eu comprei pela internet”, explicou o mestre, adiantando: “Quanto mais antiga for a madeira, mais fossilizada fica a resina, tornando depois o som do instrumento muito mais brilhante.”
Carlos Jorge trabalha por encomenda e conta com o apoio de um dos filhos – o Henrique –, a quem apelida de “aprendiz de feiticeiro”, destacando o seu empenho, pois o ofício de violeiro “é uma profissão rara na Madeira” e longe vai o século XIX, quando os mestres da ilha eram considerados “dos melhores do país”.
“O que temos de melhor aqui na Madeira é a música”, afirmou, concluindo que se sente feliz por ver jovens adaptar instrumentos tradicionais à música moderna.
@Lusa
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