Contudo, a noite não seria especial se a música, que nos fez querer correr para o aeroporto e voar para o Brasil, não fosse cantada em carne em e osso por um dos grandes senhores da música brasileira: Caetano Veloso.

Pouco depois das 22h00, já com o público a bater palmas, como forma de chamamento, as cortinas abriram-se e Caetano Veloso recebeu a Invista de braços abertos. Com uma asa delta pousada atrás da banda, cujas asas mudavam de cor consoante a música tocada e as luzes apontadas à banda. Como fundo pairava uma tela branca onde eram projectadas imagens ao ritmo de cada canção.

Caetano quis provar que a idade não importa, quando o espírito é livre, e fê-lo logo na primeira música, Tem Que Ser Viola, enquanto se deslocava de um lado do palco para o outro, dançando, à medida que o público aplaudia e gritava, reconhecendo o esforço do artista. Já sem viola, Caetano cantou Sem Cais, tema “Zii e Zie”, dando voz às imagens do mar e da praia que eram projectadas na tela. Uma viagem a pé ou de carro no meio do trânsito, rumando à praia, foi aquilo que o público imaginou.

Durante quase duas horas, Caetano Veloso vestiu a pele de contador de histórias e narrou o seu Brasil, desde o Rio de Janeiro até o Nordeste brasileiro. Naquela cidade fez uma paragem na “Montmartre carioca”,coma músicaLapa, sobre esse bairro que é um berço de cultura, de música, de vidas boémias. Com um certo saudosismo, o lugar mítico do Rio, enquanto eram projectadas imagens de casas daquele lugar e dos famosos arcos da Lapa.

Os temas Água, da banda Kassim+2, Menina da Ria e A Luz da Tieta transportaram-nos para um baile de uma roça brasileira, levando muitos elementos do público a dançar de pé ao som da última música do concerto.

Contudo, nem só de música popular brasileira e de bossa nova se fez o espectáculo. Caetano Veloso mostrou a sua veia de roqueiro em temas como Maria Bethânia, cantado em inglês. O irmão mais velho da cantora brasileira explicou que compôs o tema em 1971, “como um pedido de socorro”, a sua irmã, “quando estava exilado em Londres”. Em conjunto com Maria Bethânia, Caetano decidiu dedicar este tema “ao grande nome do teatro brasileiro, Augusto Boal”. As afinidades com sua irmã são ainda mais visíveis quando Caetano Veloso canta Não Identificado, uma canção sua, cantada por sua irmã, no Coliseu do Porto, dias antes.

Um dos temas mais aplaudidos, mesmo enquanto decorria a música, não tanto pela sua sonoridade, mas mais pela sua mensagem social, foi Base de Guantánamo, no qual o artista critica o governo americano que oprime vários povos, tal como o cubano. Durante esta música são projectadas imagens de ruas, casas, carros e pessoas, em Cuba.

Acompanhado pela guitarra de Pedro Sá, o baixo de Ricardo Dias Gomes e pela bateria de Marcelo Callado, Caetano deu vida à música Volver, cantada em espanhol, original de Sara Montiel, uma cantora e actriz de Hollywood, nascida em Espanha, em 1928.

No fim de Eu Sou Neguinha? Caetano Veloso e a Banda Cê retiraram-se de palco, mas voltaram a entrar em cena, logo depois das palmas incessantes do público que se recusava a sair do Coliseu, mesmo sofrendo com o calor intenso e abafado da sala de espectáculos, sem ouvir mais de Caetano. Força Estranha e A Luz da Tieta fecharam o alinhamento do concerto. Na última música, o público continuou a acompanhar Caetano ora cantando, ora batendo palmas, ora abanando os leques ao som da batida.

“Este Coliseu do Porto deu-me algumas das minhas maiores alegrias”, comentou Caetano em certa parte do concerto. A sua satisfação foi ainda maior quando no final do concerto uma plateia cheia aplaudiu e gritou de pé, até as luzes se acenderem. Em troca, Caetano Veloso deixou-nos uma vontade enorme de correr para o aeroporto e apanhar o primeiro avião para o Rio de Janeiro. Quase duas horas em que o público suspirou pelas saudades demasiado grandes ou pela vontade de descobrir o nosso legado do outro lado do Atlântico.

Confere aqui o alinhamento do concerto:

1-Tem Que Ser Viola
2-Sem Cais
3-Trem das Cores
4-Perdeu
5-Por Quem?
6-Maria Bethânia
7-Irene
8-Volver, de Sara Montiel
9-Desde Que o Samba É Samba
10-Tarado Ni Você
11-Menina da Ria
12-Não identificado
13-Odeio
14-Base de Guantánamo
15-Lapa
16-Água, do grupo Kassim+2
17-A Cor Amarela
18-Eu Sou Neguinha?

Encore
19-Força Estranha
20-A Luz da Tieta

Melanie Antunes