Palco Principal – Os Mler If Dada estão de regresso às atuações ao vivo, em jeito de comemoração dos 30 anos de carreira da banda.O que vos motivou a voltarem a pisar o palco? O facto de o Nuno Rebelo viver em Barcelona dificultou, de certa forma, um tão desejado - dizemos nós - reencontro?
Nuno Rebelo - Acho que a principal motivação foi a vontade de voltar a tocar aquelas músicas que, passados estes 30 anos, continuam a dar um grande prazer. E, também, a possibilidade de agora fazermos um concerto dos Mler Ife Dada com meios de que não dispúnhamos naquela época.
Anabela Duarte - Não, não dificultou, até porque já nos tínhamos encontrado antes. Apenas se proporcionou nesta altura reunirmo-nos e fazermos a montagem do concerto e das músicas que, também eu, já não ouvia há muito tempo, e as quais tenho muito gosto em reinventar e comemorar.
PP – Sendo um dos mais importantes e inovadores nomes do universo pop da música nacional da década de 80, acham que deixaram alguma espécie de legado? A par dos Pop Dell’Arte, os Mler Ife Dada conseguiram «surrealizar» o espetro musical português…
NR - Sinceramente, não sei.
AD - Ouvi alguns rumores de possíveis influências em outros músicos e grupos, e até há um trabalho científico sobre os Mler ife, apresentado em universidades, o que, até certo ponto, é algo desconcertante. Mas eu também já apresentei comunicações sobre a Diamanda Galàs ou o Lou Reed... Fazemos parte, creio, de um contexto cultural a que não podemos escapar.
PP – Dois anos depois de lançarem “Coisas que fascinam”, os Mler Ife Dada terminaram devido a desentendimentos entre o Nuno Rebelo e a Anabela Duarte, por altura da edição de "Espírito Invisível". Hoje, décadas depois, já pensaram como teria sido o sucessor do disco editado em 1989, se tivessem continuado a compor juntos?
NR - É-me muito difícil imaginar isso. Não foram apenas os desentendimentos que levaram ao fim do grupo. Eu também sentia que a minha passagem pela pop estava a esgotar-se e sentia necessidade de aprofundar a minha viagem na música por outras paragens, que foi o que fiz.
AD - Teria sido bom, imagino, mas provavelmente com outros músicos. Aquele casting é que se tinha esgotado, na minha opinião, mas, na altura, era difícil compreender isso. Cada um seguiu o seu caminho e somos os únicos sobreviventes com um percurso significativo na música, entre outras coisas.
PP – Desde a génese da banda que procuraram transgredir e extravasar o conceito pop. “Nu Ar”, a vossa primeira mostra musical, pautava-se pelo corte com o som vigente. Acreditavam que podiam reeducar o ouvido e a mente das pessoas?
NR - Para mim, os Mler Ife eram, entre outras coisas, um laboratório de composição pop, uma forma de aprendizagem pessoal do ato de compor. Usando as suas palavras, eram os meus ouvidos e a minha mente que estavam a ser reeducados e isso refletia-se naquilo que eu compunha para o grupo. Modestamente, não creio que tenha pensado alguma vez que estava a reeducar as pessoas.
AD - Foi, também, um meio de aprendizagem e desenvolvimento do meu potencial enquanto cantora e performer. Os concertos eram uma espécie de catarse musical e visual, e eu experimentava muitas coisas em palco. Levava sequências coreográficas, usava terapias chinesas, objetos inspiradores ou pequenos motivos vocais e teatrais que ensaiava ao vivo. Mas, de certa forma, éramos muito curiosos e pretendíamos dar a conhecer outras coisas, fazendo-as. E a dance music, por exemplo, apela a outra músicas e a outras linguagens, a uma audição mais ativa na pop, além dos costumeiros charts e playlists.
PP – De regresso ao presente e, mais propriamente, ao espetáculo a decorrer no CCB: sabemos que vão ter a companhia em palco de mais músicos, nomeadamente de um trio de cordas e sopros. A ideia é fazer a vossa música «crescer»?
NR - Sim, de alguma maneira é isso: trazer aos Mler Ife uma certa maturidade, ao mesmo tempo que revisitamos músicas do nosso passado.
AD - É dar maior intensidade e apurar com mais meios o trabalho anterior.
PP – Regravaram recentemente “Valete (de Copas)”. Essa revitalização - e revisitação - do vosso som teve em vista a apresentação no CCB ou outro objetivo?
NR - A revitalização atual do som dos Mler ife - e refiro-me a todas as canções que iremos tocar - está a ser feita com o objetivo de as apresentar no concerto. A gravação do “Valete (de copas)”, em concreto, fez-se com objetivos promocionais, para que na rádio pudessem passar material que exemplificasse como soam os Mler Ife Dada de agora.
AD - Exato. É natural que as pessoas fiquem com curiosidade sobre a música de «agora», passados 30 anos. Nós, a bem dizer, também estávamos com muita curiosidade e nada melhor que regravar uma canção como a "Valete". Só tenho pena de não regravarmos mais, mas quem sabe...
PP - Esse regresso a estúdio, ainda que breve, não vos deu vontade de voltarem a gravar temas originais? Tendo em conta o atual panorama musical português, acham que os Mler Ife Dada (ainda) faziam sentido musicalmente?
NR - De momento, estou apenas concentrado na preparação deste concerto. O facto de estar a escrever os arranjos para cordas e metais não me deixa espaço mental para pensar em temas originais. Por outro lado, não sei até que ponto gostaria, ou näo, de me envolver, de novo, tão intensamente com o universo da música pop.
AD - O Nuno já falou disso algumas vezes. Neste momento, contudo, temos de nos concentrar no que nos propusemos fazer e depois logo se verá. O facto de ele estar em Barcelona também dificulta um pouco as coisas.
PP – O concerto de 14 de fevereiro será um ato isolado ou já têm mais datas agendadas? Vamos ter os Mler Ife Dada na estrada?
NR - Se houver possibilidade, creio que sim. Um número limitado de concertos.
AD - Claro, também gostaríamos e já nos têm pedido para irmos a vários pontos do país. Em princípio, faremos mais, mas o futuro o dirá.
Texto: Carlos Eugénio Augusto
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