
Há cerca de 30 anos, eu e um grupo de amigos apanhámos o comboio em Lisboa e fomos até ao Dramático de Cascais ver Lloyd Cole and the Commotions. Foi o meu primeiro concerto e, seguramente, o primeiro de muita gente da minha geração.Ontem à noite, não precisei de apanhar o comboio para ir até ao Cinema São Jorge, onde estavam, certamente, muitos daqueles que se meteram no comboio há 30 anos, e alguns até acompanhados, agora, pelos filhos.
O concerto, acústico – embora, confesse, esperasse um concerto com uma banda em palco, depois do regresso ao rock, com o mais recente trabalho, “Standards” – foi uma retrospetiva da carreira de Lloyd Cole, desde o aclamado “Rattlesnakes” (1984), com os Commotions, passando pela sua banda nova-iorquina, The Negatives, até ao trabalho lançado em junho deste ano.O concerto, constituído por duas partes, como o próprio explicou - “serei a vossa primeira parte; depois, voltarei e serei a cabeça de cartaz” -, seria também uma forma de Lloyd Cole lembrar que a sua carreira ainda não acabou e que não ficou apenas nos anos ligados aos Commotions. Para quem ainda não tinha tido oportunidade de ouvir, o músico lembrou que, após o espetáculo, haveria possibilidade de comprar “Standards” e que ele estaria disponível “para autografar qualquer coisa”.
A abrir, Lloyd Cole cantou “Past Imperfect”, uma das canções do álbum “The Negatives”, que resultou da sua colaboração com um grupo de músicos nova-iorquinos, entre 1997 e 98 - os The Negatives.“Good evening, boa noite. Desculpem não falar português”, disse, em português, para continuar na sua língua-mãe: “Mas, de cada vez que volto, há cada vez mais pessoas a falar inglês".
Seguiu-se “To The Church”, do álbum “Lloyd Cole”, com o músico a cantar “This town is full of those cynical girls/ Walking two steps behind forty-five-year-olds” e a lembrar, depois, que, quando escreveu esta canção, achava que “uma pessoa com 45 anos era muito velha”.E entrámos no mítico “Rattlesnakes”, com o tema que lhe deu título e com a primeira demonstração de euforia do público, que se viria a manifestar variadas vezes ao longo das quase duas horas e meia de concerto.
E do mais velho para o mais novo. “Kids Today”, do recente “Standards”, foi a música que se seguiu, com Lloyd Cole a explicar que lançou um novo álbum este ano “muito melhor do que “Rattlesnakes””. Depois,“Cut Me Down”, de “Easy Pieces”; e a belíssima “No Truck”, de “Standards”. Lloyd Cole fez aqui um pequeno interlúdio para falar sobres os “nossos estranhos dias": "Tenho um blogue, Twitter e uma página no Facebook e tenho a sensação que conheço alguns de vocês pelo vosso nome, como o Mr. Malcontent [referência ao tema com o mesmo nome do álbum, “Mainstream”]. Lancei um desafio no Facebook para saber que músicas gostariam que eu cantasse. Houve um verdadeiro conflito entre os que querem que eu cante os temas mais conhecidos e aqueles fãs que querem que eu cante aquele tema que aparece no lado B de um disco que só foi lançado na Alemanha… Esqueçam, hoje não vou tocar nenhuma destas canções”, explica, a rir-se.Segue-se, por isso, um clássico de Leonard Cohen, “Chelsea Hotel”.
Lloyd Cole para várias vezes para afinar a guitarra. “Eu sei que podia ser um bocado mais profissional, uma verdadeira rock star, e ter aqui uma pessoa a afinar as guitarras, mas depois tinha de a levar a jantar”, ri-se. “Bem, era suposto a guitarra estar afinada quando a piada acabasse... ‘No sympathy, please!’”.
Depois veio “Why I Love Country Music”, de “Easy Pieces”; e “Like a Broken Record”, do disco “Broken Record”. Aos primeiros acordes de “Butterfly”, de “Don´t Get Weird On Me, Babe”, o público aplaude efusivamente. Quase que se sentem os sorrisos das pessoas que reconhecem estas ‘velhas canções’.
“Relativamente àquela intimidade de que falava há um bocado, há uns anos recebi uma carta de um fã, sobre um dos versos da próxima canção, porque ele achava que não devia lá estar. Por isso, hoje não vou cantar esse verso", revela. Esta é a introdução de Lloyd Cole a “Baby”, do álbum “Love Story”.
E regressamos ao último “Standards”, com “Period Pieces”. “Se não reconhecerem alguns dos temas que canto esta noite, mas gostarem deles, são do meu último trabalho, “Standards”. Esta próxima canção esteve sabática durante 18 anos", conta. O tema é “Perfect Blue”, de “Easy Pieces”, uma balada que canta: “I'm kind of blue/ Blue for you again/ I guess I'm a fool/ At least I'm not innocent/ But what to do?/ Whatever I touch turns blue".
O último tema da primeira parte é, mais uma vez, retirado de “Standards”, “Diminished Ex”. “Have a cigarette, see you soon”, diz em jeito de ‘até já’.
O início da segunda parte fica marcado por uma das canções mais emblemáticas dos Commotions, “Are You Ready to be Heartbroken?” Estamos, sim senhor, e prontos para mais um boa dose de canções, que se havia de ouvir durante mais uma hora. E foi tempo de recordar “Music In a Foreign Language”, do álbum homónimo; “It’s Late”, de “Standards”; e “Pay For It”, de “Don’t Get Weird On Me, Babe”.
“Este próximo tema requer alguma participação do público, porque é esse tipo de cantor que eu sou: ‘a sing along guy’. E, se não o fizerem, vou sentir-me realmente estúpido no fim". “Jennifer She Said”, de “Mainstream”, põe toda a gente a cantar e a bater palmas, num momento singing along with the guy, mas a fazer com que Lloyd Cole ironizasse com o ritmo do público, devido às palmas descoordenadas: “Vocês cantam melhor do que batem bateria”.
“Vocês devem estar a pensar por que é que o raio do gajo não trouxe o miúdo para afinar as guitarras”, continua Cole, ainda a mãos com a saga da afinação das duas guitarras e com o ar condicionado frio que continuava a destabilizar as sensíveis cordas. “Bem, é que eu valorizo muito a minha hora de jantar. Ontem, fomos comer a um excelente restaurante, cujo nome me é impossível pronunciar”, conta.
Depois há ainda tempo para ouvir “Blue Like Mars”, de “Standards”, que dá o mote para o próximo tema: “No Blue Skies”, de “Lloyd Cole” – “o mesmo ritmo, o mesmo tom, o mesmo gajo”. Seguem-se “Don’t Look Back”, também de “Lloyd Cole”; e, novamente, um tema de “Standards”, o belíssimo “Myrtle And Rose”. E voltamos ao passado, com “2 CV”, de “Rattlesnakes”, que, a par com “Easy Pieces”, seria o álbum mais revisitado do passado.
“Acho que comecei a escrever canções sobre pessoas de meia-idade desde muito novo. Escrevi esta canção quando tinha 26 anos”, recorda Lloyd Cole, antes de arrancar com “Hey Rusty/It's a long time/ Remember/ It's like yesterday/ Stealing cigarettes/ And laughing as they chased us/ Down the boulevards…”, versos de “Hey Rusty”, do álbum “Mainstream”.
Lou Reed foi homenageado discretamente, sem palavras nem explicações, na segunda versão da noite, com o tema “Pale Blue Eyes”, que poucas pessoas terão reconhecida e daí a discrição com que foi recebido. Ao contrário de “Perfect Skin”, um dos hinos dos Commotions em “Rattlesnakes”, que, inevitavelmente, provocou os habituais aplausos de reconhecimento.
Os últimos temas da segunda parte ficaram nos sons de “Unhappy Song”, “Love Story” e “Lost Weekend”, de “Easy Pieces”, com Lloyd Cole a lembrar uma conversa com um dos arrangers do disco: “Esta parte faz lembrar “America”, de Simon and Garfunkel. Toda a canção faz lembrar “America”, respondeu ele”, conta Cole.
“Thank you very much, good night”, foi a despedida desta segunda parte, antes do único encore.Para o fim, ficou “My Bag”, de “Mainstream” e, a fechar, mais um tema de “Rattlesnakes”, “Forest Fire”.
“Get home safe”, pediu-nos mr. Lloyd Cole no fim. Antes, ainda haveria tempo para uma sessão de autógrafos com o, aparente, incansável ex-líder dos Commotions.
Ficou a intimidade de um concerto que se pautou pelo civismo do público, que raríssimas vezes ‘berrou’ a pedir este ou aquele tema, por um ar condicionado que ‘condicionou’ o desempenho das guitarras e por um músico que já afirmou que “Standards” pode ser o seu último trabalho feito nos moldes habituais, se as vendas não forem bem sucedidas. Por nós, podemos afirmar que uma sala esgotada, depois de muitos concertos por terras lusas, é a prova de que o público português ainda não se cansou de Lloyd Cole.
Por: Helena Ales Pereira
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