Em entrevista à agência Lusa, Lina fez eco das palavras de Amália: “Camões é um grande fadista”.
O álbum chega ao mercado no mesmo dia em que Lina o apresenta no Der Aa-Theater, em Groningen, nos Países Baixos, no âmbito Festival Eurosonic.
A fadista que fez, anteriormente, dupla com o músico espanhol Raul Refreë, já conhecia a lírica camoniana “desde o liceu”, e realçou “a musicalidade” dos versos do épico.
“Emocionou-me imenso ao lê-lo, ao redescobrir esta lírica de Camões e ao aprofundar a sua poesia”, afirmou.
A escolha do Camões foi uma “pura coincidência” com o quinto centenário, como aconteceu com o anterior álbum sobre Amália Rodrigues (1920-1999) que coincidiu com o centenário do nascimento da diva.
“A coincidência com os 500 anos foi um puro acaso mesmo, só me apercebi depois de ter adaptado algumas músicas e ter pegado na lírica e adaptado a fados tradicionais”, disse Lina acrescentando: “Esta ideia de cantar e gravar um disco inteiramente de Camões surgiu depois de ler mais e estudar mais sobre Amália, e compreender esse amor que Amália tinha por Camões. Esta ideia surgiu muito ainda antes dos concertos com o Raul Refreë."
A compositora e autora Amélia Muge, com quem Lina colabora neste disco, é que a chamou à atenção para a coincidência com a celebração dos 500 anos de Camões.
Amélia Muge adaptou “O que Temo e o que Desejo”, que Lina gravou no Fado Triplicado, de José Marques, e “Que Ninguém Me Veja Ver-vos”, interpretado na melodia do Fado Perseguição, de Carlos da Maia, e “Pois Meus Olhos Não Cansam de Chorar”, gravado no Fado Esmeraldinha, de Júlio Proença, tendo ainda musicado “Senhora Minha”.
Lina estreia-se como compositora de fado neste álbum, tendo musicado “Lina Vaz de Camões”, que também adaptou, e “Se de Saudade Morrerei ou Não”.
“Tive a coragem, a ousadia de musicar pela primeira vez um fado, e o Camões foi um desafio e uma grande responsabilidade”.
“Se de Saudade Morrerei ou Não” foi escolhido por ser “um poema lindíssimo, e o tema ser a saudade”, e “Lina Vaz de Camões”, como o intitulou, é um poema escrito em prosa, que não tem estrutura para fado tradicional, mas cada vez que folheava o livro, cruzava-me sempre com este poema. Ele é tão bonito que gostava de o incluir neste trabalho, e por que não ser eu a musicá-lo? E acho que a música veste na perfeição o poema”.
Lina interpreta com o espanhol Rodrigo Cuevas “O que Temo e o que Desejo”, refletindo o que era muito comum no meio literário setecentista em Portugal, em que os autores nacionais, entre eles Camões e Gil Vicente, escreviam em português e castelhano.
Para este disco, a fadista consultou uma edição da Lírica de Camões da investigadora Maria Vitalina Leal de Matos, ex-professora de Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
O alinhamento do álbum inclui ainda “Desamor”, na música do Fado Menor do Porto, de José Francisco Cavalheiro Jr., “Quando vos veria? (Saudade Minha)”, no Fado Alexandrino, de Alfredo Marceneiro, “In Labirinto”, interpretado no Fado Bailado, também de Marceneiro, “Desencontro”, no Fado Corrido (popular), “Amor é um fogo que arde sem se ver”, no Fado Versículo, também de Marceneiro, e a canção “Olhos verdes”, numa melodia popular, com adaptação de Lina.
Da escolha feita, a fadista reconheceu que ressoa uma “forte atualidade”, um cuidado seu, “pois em muitos poemas de Camões era difícil serem musicados, havia uma palavra ou outra que não ficava tão bem”, tendo, porém, optado por uma escolha “dentro dos principais temas camonianos, a saudade, a dor do afastamento, o amor não correspondido, a interrogação do mundo, que são temas bastante atuais”.
“Eu acho que quem ouvir estes fados e não souber que são de Camões, à primeira audição, não é algo tão intuitivo assim”, argumentou, considerando que tal “é positivo”, até porque “Camões tem uma renovação a partir das palavras, foi um modernista nas estruturas poéticas que introduziu”.
“Amália também encontrou isso nos sonetos, e, para mim, o facto de me emocionar, torna a poesia perfeitamente atual”, acrescentou.
Os temas camonianos são temas fadistas, realçou Lina, reconhecendo que “há palavras mais cantáveis que outras, sendo algo que se sente automaticamente”.
Lina afirmou que não são os instrumentos que definem o fado.
“Posso cantar um fado sem guitarra portuguesa”, disse, referindo-se ao mais icónico cordofone do fado.
“O fado está primeiramente na palavra, e os instrumentos são o adorno, estão ali para criar o ambiente e enaltecer a poesia, e é importante que a pessoa que canta, sinta aquilo que está a cantar, para poder passar essa mensagem. Apenas somos um fio condutor que tem o intuito de chegar ao outro”, afirmou à Lusa.
“Se não me tivesse emocionado com o Camões, não o teria cantado”, declarou, citando em seguida Camões que escreveu “Segundo o amor que tiverdes, tereis o entendimento dos meus versos”.
A fadista realçou o seu cuidado na escolha das melodias tradicionais que mais se coadunavam ao tema do poema, optando entre melodias em tom maior ou menor”.
Neste álbum, a guitarra portuguesa não está presente em todos os temas, sendo a fadista acompanhada pelos músicos John Baggott (piano, moog bass, sintetizadores, 'Fender Rhodes', 'drum programming' e órgão), Justin Adams (guitarra elétrica, percussão, 'frame drums'), Ianina Khmelik (violino), ao quais se juntam os “subtis toque da guitarra portuguesa” de Pedro Viana.
“Eu quis trazer um bocadinho da dinâmica e das sonoridades do disco que fiz anteriormente com o Raul [Refreë], não queria perder essa linguagem porque acabo por me sentir mais livre, em vez do ritmo certo do fado tradicional, da guitarra portuguesa e da viola; quis continuar esta dinâmica e esta linguagem que possibilitam ser mais livre quando canto”.
“Fado Camões” é o segundo álbum da fadista em nome próprio.
Depois do Eurosonic, Lina apresenta este seu novo álbum, no próximo dia 30 de janeiro, no Teatro da Trindade, em Lisboa, e no dia 17 de fevereiro no Teatro Pax, em Beja.
Em março, Lina tem previsto apresentar "Fado Camões" no Teatro Pavón, em Madrid, no dia 12, e, no dia 14, em Lérida, no Festival MUD. No dia seguinte subirá ao palco do Studio L'Ermitage, em Paris, e no dia 16 ao do Rocher Le Palmer, em Bordéus.
Em julho tem previsto atuar no Festival de Forde, na Noruega.
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