O cenário deste festival, que já por si é mágico, tornou-se ainda mais encantado quando acolhido pela primorosa voz de Laura, acompanhada de violinos, violoncelos e arpas – a sua orquestra, à qual, embevecidamente, fez referência ao longo do concerto. Timidamente, a britânica apresentou-nos o seu primeiro e único álbum, lançado em 2013, e que a consagrou como uma das revelações do ano no seu país. Temas como “Like the Morning Dew”, “She”, “Sing to the Moon” e “Is There Anybody Out There?” foram interpretados magistralmente na sua voz soul com raízes de gospel, com o conjunto de cordas a conferir-lhes um som teatral – um verdadeiro conto de fadas.

Porém, o público apenas começou a sentir-se verdadeiramente agarrado ao ritmo de canções mais vivas, como “Green Garden”, “That’s Alright” ou “See Line Woman”, a sua homenagem à diva, Nina Simone, a quem já foi comparada. Um acordar talvez tardio mas que, ainda assim, convenceu os presentes, deixando-nos uma vontade latente de voltar a encontrar esta jovem cantora numa vertente mais madura da sua música e mais experiente em palco.

A noite prosseguiu veloz, esquecendo-se de que era domingo, e, já depois das 12 badaladas, é a vez do esperado José James nos deixar encantados. Uma tarefa não muito fácil com o frio que se sentia e com um público disperso e desordenado que, por limitações do recinto, teve dificuldades em trazer calor àquele espaço.

Discretamente e no seu estilo inconfundível, James apresentou-se novamente ao público português, mas com uma banda diferente da que trouxe consigo há um ano, no concerto que deu no Lux. O trompete de Takuya Kuroda foi trocado pela guitarra do seu mais recente músico, Brad Allen Williams, e alguns sentiram a sua falta. A mudança revela-se também nos primeiros acordes do concerto, com “Angel”, tema que abre igualmente o seu último álbum, "While You Were Sleeping", lançado no mês passado - um álbum de mudança, claro está.

Depois de dois discos mais ecléticos, como são “The Dreamer” (2008) e “Blackmagic” (2010), em que se fundem estilos como o jazz, o soul, o hip hop e a electrónica, dando-nos a conhecer o cantor, arrisco a dizer, na sua essência mais pura, James junta-se à família Blue Note, lançando “No Beginning No End” (2013) – um álbum onde o jazz assume a sua predominância.É por isso natural (e legítimo) que o cantor quisesse inovar, experimentar caminhos diferentes. Caminhos esses que o levaram ao seu passado, às suas influências enquanto adolescente, como foram Nirvana, Radiohead ou Jimi Hendrix, e que pautaram a concepção de “While You Were Sleeping” (2014) – um trabalho novamente com o carimbo Blue Note, mas sem a sua sonoridade original, que veio quebrar a sua melodia envolvente habitual, trocando o ‘mel’ da sua música por sabores (ou dissabores, para alguns) mais misteriosos e sombrios, num rasgo ousado de criatividade, que dividiu opiniões.

O que alguns dos que o aguardavam ontem em Oeiras não sabiam era da existência deste disco, tão acabado de sair do forno e tão quentinho, que se tornou algo inédito (e pesado) para quem pela primeira vez o ouviu no concerto, uma vez que os sete primeiros temas interpretados correspondem exatamente ao alinhamento da primeira parte do álbum.
Calmamente, canções como “U R the 1”, “Anywhere U Go” e “Bodhisattva” foram passando, umas atrás de outras, com a guitarra a fazer-se notar. Estranhamente ficou de fora “Every Little Thing” (o seu primeiro single) e “Simply Beautiful” (cover de Al Green).

Já caminhávamos para lá da metade do concerto, quando nos apercebemos que, afinal, estava ‘gente na casa’! É tempo de entrar em palco o velho José James… Ouve-se “Come To My Door” e, com ela, algum alarido, não fosse a música preferida das fãs de José James. “Trouble” vem logo a seguir, tirando-o cada vez mais de apuros, trazendo calor à noite que estava cada vez mais fria. Mas, digam o que disserem, foi em “Park Bench People”, do seu primeiro álbum, que se presenciou o momento mais sincero e verdadeiro da noite. Há coisas que não se explicam, sentem-se… E José James, na sua essência, é isto – a elasticidade hipnótica da sua voz, que brinca com a música; o vibrar frenético da sua mão, que funciona como uma batuta do seu ritmo… Foi isto que pôs o público que restava de pé, tornando esta música a melhor de todo o concerto, com cada um dos instrumentos a ter direito ao seu solo, incluindo a sua voz. Os fãs mais antigos e fiéis agradeceram este momento, ficando com água na boca. Contudo, já ia longa a noite e estava na hora de ir dormir, tanto que é bem breve o regresso dos músicos ao palco para o único encore da noite.

O trompete, mais uma vez, foi trocado pela guitarra, num concerto ao qual faltou mais groove, magia e calor. Ainda assim, o doce “Do You Feel” conseguiu encantar-nos na despedida, deixando as almas mais saudosas confortadas na sua partida.

Alinhamento Laura Mvula:

01. Like the Morning Dew
02. Let Me Fall
03. She
04. Flying without You
05. Sing to the Moon
06. Is There Anybody Out There?
07. I Don't Know What the Weather Will Be
08. Diamonds
09. Father, Father / See Line Woman
10. Green Garden
11. That’s Alright
12. Make Me Lovely

Alinhamento José James:

01. Angel
02. U R the 1
03. While You Were Sleeping
04. Anywhere U Go
05. Bodhisattva
06. 4 Noble Truths
07. Dragon
08. Come To My Door
09. Trouble
10. Park Bench People
Encore:
11. Do You Feel

Fotografias: Joana Lopes

Texto: Lucélia Fernandes
Groove your Soul
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