Antes das vozes femininas, o pano de fundo encheu-se de uma imagem de Joni Mitchell, que foi trabalhada graficamente por António Jorge Gonçalves à medida que o tema “Just Like Me” avançava.E foi assim ao longo das diferentes interpretações: o designer trabalhava sempre a partir de uma imagem da compositora canadiana, acompanhando a evolução de cada uma das interpretações.

A abrir as hostes das cantoras, a voz quente, sensual e ritmada de Aline Frazão, com o tema mais jazzy “Chelsea Morning”, que deu a vez a Cati Freitas, num momento mais tranquilo, com “Borderlines”. Mas porque Joni Mitchell conseguiu escrever para distintos géneros musicais, seguiu-se uma pequena demonstração de rock. Fábia Rebordão cantou “Raised on Robbery” e espantou todos com a sua voz potente, mais habituada a lidar com o Fado, mas que, aqui, conseguiu demonstrar uma versatilidade e força bem marcantes.

As três juntaram-se pouco depois para interpretar “Cyrcle Game”, num momento que ‘casou’, na perfeição, estas três vozes de experiências e vivências tão diferentes, apenas acompanhadas pelo piano de Filipe Raposo.

“For the Roses” foi a canção interpretada por Ana Bacalhau, dos Deolinda, que passou o testemunho a uma das mentoras deste projeto, Amélia Muge, que começou por agradecer a presença do público e justificar este tributo: “As canções de Joni Mitchell, o seu mundo poético, como compositora e cantora, e a sua pintura, aqui recriada por António Jorge Gonçalves, são impossíveis de ignorar. Joni Mitchell é uma das artistas do nosso tempo. O tema que vou cantar não é da sua autoria, mas foi cantado por ela em diversas ocasiões: “Answer Me, My Love”.

Manuela Azevedo, dos Clã, entrou de seguida para interpretar “Ladies Of The Canyon”, com uma alegria contagiante.Mas, sese pode afirmar que existiu um momento de viragem no concerto, foi com a entrada de Luísa Sobral. Se o público parecia agarrado ao que se passava no palco – com a música, as vozes e as intervenções do designer –, a partir daqui ficou colado.

“Boa noite, quase ninguém fala, só que eu não consigo ficar calada”, afirmou, de imediato, Luísa Sobral, cortando com o silêncio das cantoras anteriores, à exceção de Amélia Muge. “É um prazer ter sido convidada para este tributo. A Joni Mitchell é uma das minhas inspirações, como cantora e como compositora. O tema que eu vou cantar, “California”, é sobre estar fora e querer voltar. Já me aconteceu querer voltar, não para a California, mas para Lisboa”, explicou Luísa Sobral antes de soltar a sua voz típica, nasalada e doce, acompanhada pela sua guitarra.

Seguiu-se um pequeno interlúdio musical. No palco, soaram apenas os instrumentos, enquanto António Jorge Gonçalves escrevia a letra do tema “Marcie”. E a ‘nossa’ Márcia seria a cantora seguinte a subir ao palco, onde cantou “Woodstock”, num momento mais sombrio do espetáculo, acompanhada apenas por violoncelo, para depois se juntar a Luísa Sobral.
Este foi, seguramente, (e acuso a minha falta de imparcialidade), o momento mais tocante e emocionante da noite, em que o silêncio que se fez sentir no público foi o companheiro perfeito para as vozes das duas cantoras – numa conjugação maravilhosa – e para a harpa de Luísa Sobral, o único instrumento que as acompanhou em “River”, uma das canções mais bonitas de Joni Mitchell.

“Big Yellow Taxi”, interpretada por Mafalda Veiga, e “Amelia”, por Ana Bacalhau, foram as canções que se seguiram, mas sem conseguirem igualar o ‘pequeno espetáculo’ proporcionado por Luísa Sobral e Márcia.

E a excelência voltaria com Amélia Muge, que entoou, primeiro com guitarra, depois apenas ao piano, “Both Sides Now”, uma das canções mais conhecidas de Mitchell. Oespetáculo continuou a subir com Sara Tavares e Aline Frazão a cantarem “Help Me”, e a contagiarem o público com a sua energia e dança.

Seguiu-se a calma, com Manuela Azevedo a cantar uma emocionada versão de “A Case of You”: “Oh, I could drink a case of you darling/ Still I'd be on my feet".Mas esta calmaria haveria de revelar-se sol de pouca dura, quando, com uma alegria que dominou os músicos e o público, Sara Tavares interpretou “Dreamland”, mas não sem antes, e aproveitando os versos da canção anterior, prometer: “Tão bom beber uma caixa inteira de Joni Mitchell, como aconteceu nos últimos dias. E, agora, vai uma Joni Mitchell mais ritmada e despenteada.” Com “Dreamland”, Sara consegui, de facto, ‘despentear’ a audiência mais resistente e fazer daqueles minutos os mais vibrantes da noite.

E, finalmente, o momento em que todas as cantoras se juntarem em palco para cantar “Free Man in Paris”. Houve ainda tempo para as cantoras se apresentarem mutuamente e agradecerem a toda a equipa pelo nome próprio, desde técnicos de luz e de som, diretor de palco, produção, etc - algo inédito num concerto.

O encore ficaria a cargo de uma ‘convidada especial’. O vídeo de Joni Mitchell a cantar “Just Like Me”, acompanhada em palco pelas dez vozes portuguesas. E foi o fim de uma noite que conseguiu o seu objetivo: prestar tributo, em grande, a uma das cantoras mais marcantes das ultimas décadas. Tenho a certeza que, se Joni Mitchell pudesse ter estado presente, sentir-se-ia bravamente homenageada.

Texto: Helena Ales Pereira

Fotografia: Marta Ribeiro