
Bikini Kill, Bratmobile e Emily’s Sassy Lime são alguns dos nomes que surgem associados ao riot grrrl, um movimento punk-rock com origem norte-americana que teve inicio em meados dos anos 90. Tal movimento tinha como principais fundamentos a emancipação da mulher perante a sociedade e a sua afirmação no mundo do punk, caracterizado, até à data, por uma população maioritariamente masculina. No hip hop – um estilo de música em que é usual a subvalorizarão do sexo feminino, enquanto praticante – várias são as mulheres que se conseguiram afirmar enquanto MCs. Dá-se o exemplo de nomes como Queen Latifah, Lauryn Hill, Eve, Missy Elliot e, mais recentemente, Azealia Banks e Nicki Minaj, entre outros. Todas elas conseguiram, de uma forma ou de outra, deixar o seu nome gravado no espólio do hip hop internacional.
“A Última”, tema que serviu de abertura ao concerto da passada sexta-feira, no Zé dos Bois, em Lisboa, deixa bem explícita as referências para Capicua na matéria. Nomes como Diams, Speech Debelle e Mala Rodríguez conseguiram, segundo a artista, “fazer com que se chame rap ao rap de raparigas”. Talvez seja esta constante luta de Ana a principal razão pela qual o público do ZDB continha uma elevada concentração feminina, mais do que é costume em concertos do género.
A missão da noite era a de apresentar a nova mixtape “Capicua Goes West” ao vivo, todavia, a rapper portuense não se privou de interpretar canções do seu álbum homónimo. Numa noite que se apresentou chuvosa, o ambiente vivido na galeria do bairro alto não poderia ser mais aconchegante, com Ana a manifestar-se bastante comunicativa com o seu público, que, em certas alturas, atirava para o ar nomes de algumas canções com o intuito de serem interpretadas pela rapper. Acompanhada por Marta (M7) nos backing vocals e pelo DJ D-One nos pratos, Capicua descarregou a sua mixtape na íntegra, de onde se destacaram músicas como “Totem”, que dedicou ao movimento hipopeano da Invicta, e “Feias, Porcas e Más”, um forte manifesto feminino que contou também com uns versos na voz de M7 (a versão gravada conta ainda com as participações de Eva e Tamin, que não puderam estar presentes no concerto).
Aqueles que acompanham a atividade da artista no Facebook certamente se terão deparado com uma experiência que a mesma fez para o projeto “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria”, na qual interpreta a “Casa no Campo”, em versão acústica, unicamente acompanhada por uma viola e beatbox. Capicua quis reproduzir tal ensaio na passada sexta-feira e convidou Isaac, o músico que a acompanha nessa mesma aventura, a subir ao palco para interpretarem três temas. O ambiente aconchegante, acompanhado por uma iluminação quente e pelo ruído de fundo da chuva, serviu de base perfeita para a transformação acústica que sofreram “Vinho Velho”, “Luas” e, claro, a belíssima “Casa no Campo”. No final desta trilogia, o público aplaudiu de forma fogosa a dupla, como agradecimento pelo bom momento musical.
Fizeram parte ainda do concerto “Judas & Dalilas”, “Maria Capaz” e o clássico “Medo do Medo”, que teve direito a bis, já no encore, encerrando o concerto. Este último tema é verdadeiramente o espelho da qualidade artística de Capicua, que mantém uma extrema relação lúdica com o mundo das palavras e uma lucidez sobre o mundo que a rodeia, mantendo-se atenta, crítica e, acima de tudo, interventiva. Mas sempre com uma atitude semelhante à do movimento riot grrrl, sublinhando a importância da valorização do sexo feminino enquanto intérprete de hip hop. Um exemplo a seguir.
Manuel Rodrigues
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