A caminho dos
Óscares 2020
Num ensaio para o jornal Washington Post [de acesso pago], Stephen King decidiu "clarificar" os comentários que fez sobre o processo por detrás da votação para os Óscares, defendendo que os prémios ainda são "manipulados a favor dos brancos".
Há duas semanas, logo após as nomeações terem sido criticadas pela escassa presença de mulheres ou pessoas de cor, o lendário escritor, que pertence à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, escreveu nas redes sociais que achava que a qualidade era mais importante do que a diversidade quando se vota em "matéria de arte".
Também esses comentários foram criticados como "retrógrados", "ignorantes", e sugerirem que "diversidade e qualidade não podem ser sinónimos", não reconhecendo que existia "um preconceito implícito a funcionar" em Hollywood. Além de virem de alguém "branco, rico e velho" privilegiado por esse "sistema".
Pouco depois, ainda nas redes sociais, Stephen King veio esclarecer: "A coisa mais importante que podemos fazer enquanto artistas e pessoas criativas é garantir que todos tenham a mesma oportunidade, independentemente do género, cor ou orientação sexual. Neste momento, essas pessoas estão mal representadas e não apenas nas artes. Não se pode ganhar prémios se ficar excluído do jogo".
No ensaio publicado esta segunda-feira (27), o escritor diz que pensou erradamente que a sua declaração sobre a diversidade em termos de arte "não era controversa".
Apesar de continuar a defender que "os que avaliam a excelência criativa devem ser cegos a questão de raça, género ou orientação sexual", acrescenta agora que "isso seria o caso num mundo perfeito, um em que o jogo não esteja manipulado a favor dos brancos".
Com 32% de mulheres e 16% de minorias, Stephen King salienta que a Academia está a fazer progressos e mudanças na expansão da demografia de quem vota nos Óscares, "mas de uma forma demasiado lenta na era da Apple e do Facebook" e "longe de ser suficiente", assumindo que a sua perspetiva é incontestavelmente de alguém "branco, homem, velho e rico".
O escritor sugere que é para essa demografia que se deve olhar "para obter respostas sobre por que alguns artistas talentosos são nomeados e outros - como Greta Gerwig, que dirigiu a surpreendentemente boa nova versão de 'Mulherzinhas' não são".
Esse factor também pesa para que "dos nove títulos nomeados para Melhor Filme, a maioria — "O Irlandês", "Le Mans '66: O Duelo", "1917", "Joker", "Era Uma Vez em... Hollywood" — sejam o que o meu filho chama 'man-fiction' [um trocadilho com 'science fiction', sobre histórias dominadas por homens]. Há lutas, armas e muitos rostos brancos".
"Outra peça do puzzle" é recordada no ensaio: "é suposto que os votantes vejam todos os filmes candidatos a sério [antes de preencher o boletim]".
Este ano, acrescenta, "seriam cerca de 60", mas não há forma de verificar quantos fizeram isso porque se "trata de um sistema de honra" e pergunta se a demografia "mais velha e branca" terá visto os filmes sobre histórias de minorias e, em caso afirmativo, se terão sentido e entendido "a catarse que é a base de tudo o que os artistas aspiram".
Recordado as críticas que recebeu, Stephen King escreve que "a resposta reflete a minha atitude geral de que, como na justiça, os julgamentos de excelência criativa devem ser cegos. Mas isso seria o caso num mundo perfeito, um em que o jogo não esteja manipulado a favor dos brancos".
"A excelência criativa vem de todos os lados, cor, credos, género e orientação sexual, e torna-se mais rica, ousada e emocionante pela diversidade, mas é definida pela excelência. Avaliar o trabalho de alguém por qualquer outro padrão é um insulto e — pior — mina aqueles momentos duramente conquistados em que a excelência de uma origem diversa é recompensada (contra, ao que parece, todas as probabilidades), deixando esse reconhecimento vulnerável a ser descartado como politicamente correto", acrescenta.
"Não vivemos nesse mundo perfeito e as nomeações menos do que diversas este ano dos Óscares provam-no mais uma vez. Talvez um dia venhamos a viver. Posso sonhar, não posso? Afinal de contas, ganho a vida a imaginar coisas", justifica.
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