"A guerra nunca acaba. Amanhã ela recomeça", comenta uma personagem de "Goodbye Julia", o primeiro filme sudanês selecionado para Cannes.
A produção explora o racismo que alimenta décadas de conflito no país, e o realizador Mohamed Kordofani admitiu ter "sentimentos contraditórios" sobre caminhar da apelativa passadeira vermelha do Festival de Cinema de Cannes enquanto os seus compatriotas sudaneses se protegem das bombas.
A ironia não passou despercebida a Kordofani, que não esperava que a sua longa-metragem de estreia coincidisse com o início de um novo conflito no Sudão.
"Agora estou preso em Cannes", brincou em entrevista à France-Presse num terraço à beira-mar com vista para uma frota de iates, antes de acrescentar com uma nota séria que estava "de coração partido" pelo conflito e pelo facto de não poder voltar para casa. .
“O bombardeamento precisa parar”, disse o ex-engenheiro aeronáutico, que embalou essa carreira para abrir uma produtora de cinema.
"Goodbye Julia" está na programação da secção Un Certain Regard em Cannes, um segmento focado em jovens talentos inovadores.
O filme começa em 2005, após o fim de guerra anterior, entre Cartum e o sul separatista, e termina quando o Sudão do Sul conquista a independência em 2011.
Conta a história de como um assassinato encoberto leva uma mulher do sul do Sudão, Julia, a entrar em contacto com uma mulher do norte do Sudão, Mona, e o seu marido autoritário e conservador.
A minha própria transformação
A amizade das duas mulheres é complexa, e exibe a corrente racista entre árabes e negros africanos que persegue o Médio Oriente e o norte da África.
O marido de Mona refere-se aos sulistas como "escravos" e "selvagens", e ela é forçada a enfrentar o seu próprio racismo arraigado, enquanto os papéis de género também são explorados.
Kordofani diz que se inspirou em como os seus próprios pontos de vista mudaram na última década: "Comecei a rever como estava a portar-me nos meus relacionamentos anteriores. Revi meu próprio racismo".
O realizador diz que a discriminação está tão profundamente enraizada no Sudão que "até hoje não sei se não sou completamente racista".
Embora o racismo não esteja no cerne do conflito atual do Sudão, Kordofani diz que a mensagem do filme ainda é relevante, já que o país oscila entre um cessar-fogo violado e o próximo, e os residentes protegem-se praticamente sem qualquer alimentação.
"Acho que a guerra não terminará a menos que mudemos. Nós, o povo, não o governo. Precisamos ser iguais e inclusivos, e precisamos aprender a coexistir"
Os críticos receberam calorosamente "Goodbye Julia", com a Screen a chamar-lhe "um conto devastador e emocionalmente recompensador".
A Hollywood Reporter destaque que tinha "tons de suspense" e elogiou a "boa realização" de Kordofani.
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