O realizador brasileiro Marcelo Caetano retrata em "Baby", exibido na passada terça-feira na Semana da Crítica, uma mostra paralela do Festival de Cannes, a vida da comunidade LGBTQIA+ na cidade de São Paulo, com a relação entre um homem jovem e um mais maduro.

Ronaldo, que tem quase 40 anos, encontra na prostituição uma forma de sobrevivência na metrópole de mais de 12 milhões de habitantes. Conhece "Baby", um jovem de 18 anos que acaba de sair de um centro de detenção, e uma forte atração surge entre eles.

"Baby", que perdeu o contacto com os pais, encontra neste homem uma proteção e um guia para entrar no mundo da prostituição. Juntos, percorrem as ruas de São Paulo e mergulham na sua agitação, mas também nas suas áreas obscuras.

A relação entre estes dois homens de gerações diferentes torna-se complexa, oscilando entre o amor, o trabalho e a proteção.

"Todas as formas de explicá-la [a relação] com uma palavra seria reduzi-la. É possível chamar de uma relação amorosa ou de uma relação de trabalho, são todas essas coisas. A complexidade da relação e das personagens vêm disso", declarou Caetano à France-Presse.

"Vivemos num momento com uma sede muito grande de categorização, de colocar em caixas, de definir bastante as coisas. A minha ideia era fazer um filme que é mais para confundir do que para esclarecer", completa.

Para encontrar os protagonistas, o cineasta organizou um casting aberto, com anúncios na Internet, o que considera "um ato político", o que permitiu chamar todos os intérpretes possíveis para que tivessem a oportunidade de mostrar o seu talento e trabalhar com pessoas que estão fora do circuito dos atores mais conhecidos.

"Polarização"

Segundo à esquerda, João Pedro Mariano ao lado do realizador Marcelo Caetano créditos: Semainedelacritique.com

Este é o caso de João Pedro Mariano, que dá os primeiros passos no mundo do cinema com o papel de "Baby".

Como preparação para a personagem, o ator de 21 anos visitou diversas vezes um centro de detenção para menores de idade para tentar compreender melhor os sentimentos dos jovens e também fez uma imersão na vida do centro de São Paulo.

"Morei no centro de São Paulo, que foi onde conheci essas pessoas, conversei muito, andei muito por São Paulo", conta Mariano, cuja personagem se torna amiga de alguns jovens da comunidade LGBTQIA+ que vivem nas ruas a fazer espetáculos.

"Tive esta honra de ter um trabalho muito baseado na pesquisa para entender a personagem e entender estes sofrimentos", acrescenta.

Caetano começou a pensar em "Baby" há seis anos e criou o protagonista após muitas entrevistas com jovens LGBT em situação de rua.

Mas o filme mudou muito nesse tempo de preparação.

"Tivemos o governo Bolsonaro, tivemos uma série de questões muito tensas no Brasil, uma polarização muito forte e uma violência cada vez mais crescente em relação aos corpos LGBT, aos negros, às mulheres", recorda o cineasta, ao explicar que as circunstâncias levaram-no a modificar o argumento.

O realizador filma há 15 anos em São Paulo, cidade que atrai milhares de pessoas em busca de uma vida melhor, e tem um interesse particular por pessoas que vivem nas ruas.

"Sou apaixonado por São Paulo, um dos poucos", brinca.

"Gosto de imaginar o mapa da cidade como o mapa de um corpo. Tem os olhos, tem um coração, mas também tem as cicatrizes", diz Caetano, cujo filme anterior, "Corpo Elétrico", também foi rodado na cidade.

Para ele, São Paulo "tem uma generosidade dentro de todo aquele anonimato, de tanta confusão. [...] Vamos encontrar sempre alguma coisa para nós, não vai ser o que se imaginou, não vai ser o que se esperava, mas sente-se que é surpreendido por algo que nem sabia que queria".

"Para mim, narrativamente, isso é muito interessante", completa.

"Baby" também disputa o prémio Queer Palm, que celebra os filmes de temática LGBTQIA+.

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