A obra de estreia de Clara Roquet, "Libertad", a única longa-metragem espanhola presente este ano no Festival de Cannes, torna visíveis as empregadas domésticas latino-americanas que deixaram para trás as suas famílias para cuidar de outras na Espanha.
Roquet, que para este primeiro filme apresentado na Semana da Crítica é elegível para o prémio Câmara de Ouro, não pôde comparecer ao concurso porque testou positivo para a COVID-19.
A história centra-se numa família rica que passa as férias na sua residência de verão e a vida de Nora, de 15 anos, que vira de cabeça para baixo com a chegada de Libertad, a filha da empregada doméstica da casa e recém-chegada da Colômbia.
As duas raparigas iniciam uma amizade que as faz descobrir novos horizontes, sem pensar que vêm de mundos opostos. O que as levará a questionar o que as suas famílias lhes querem impor.
“Estas duas adolescentes, relacionando-se com o que é herdaram e rejeitando isso” são o núcleo do filme, explicou Roquet por telefone à Agência France-Presse.
A realizadora catalã de 32 anos explica que o projeto surgiu após uma curta-metragem, "El adiós", sobre uma doméstica latino-americana. Durante a sua preparação, falou com muitas dessas mulheres e muitas concordaram que a pior coisa era "ter deixado os seus filhos para trás para cuidar de outras famílias".
“Foi um trauma muito grande”, comenta.
Daí nasceu a ideia de contar a história de Libertad, uma jovem menina ousada e determinada que se recusa a deixar que a sua vida seja como a de sua mãe Rosana.
Encontrar a atriz para interpretar o papel foi difícil, Roquet admite. Até que num "street casting" na Colômbia conheceu Nicolle García, com cabelo azul e a patinar na rua.
"Barreiras de classe"
A realizadora queria focar a história em duas adolescentes porque, segundo ela, nesse período é “um pouco quando se forma a identidade, às vezes em oposição aos pais”.
E embora quisesse filmar do ponto de vista da colombiana, logo percebeu que não sabia o suficiente sobre esse lado da história e preferiu contá-lo pelos olhos de Nora, uma "boa rapariga", como Libertad a define no filme.
O filme aborda outros assuntos, como relações familiares e doenças.
“Há confrontos a vários níveis, geracional, de classe, cultural [...] Tive muito interesse em colocar todas essas tensões dentro de casa e ver o que acontecia”, diz Roquet.
A matriarca da família, interpretada por Vicky Peña, sofre de Alzheimer, doença que também sofreu a avó da realizadora.
"É como uma perda de memória familiar, uma perda de identidade", explica. E com o esquecimento, a avó valoriza cada vez mais a sua empregada doméstica e “perde essas barreiras de classe que os outros [familiares] têm”.
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