A norte-americana Laura Poitras é uma documentarista vencedora do Óscar que recebeu o papel de má consciência do seu país. Ela renova este título e garante mais uma nomeação à estatueta dourada com "Toda a Beleza e a Carnificina, contando a crise dos opióides.

Ao passar por Paris durante a divulgação da sua obra, esta cineasta de 59 anos explicou à AFP que acredita ser "importante documentar histórias de combates".

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"Às vezes, no ecrã, pode comunicar-se algo que seria impossível de outra forma", aborda a autora da obra "Citizenfour" (2014), o filme sobre o ex-analista Edward Snowden.

Poitras foi a primeira a ter acesso às confidências de Snowden após a revelação dos documentos secretos da poderosa Agência Nacional de Inteligência (NSA).

No ano seguinte, o filme rendeu um Óscar de Melhor Documentário.

Em "Risk" (2017), dois anos depois, a realizadora desenhou um retrato não autorizado de outra figura polémica: Julian Assange, editor da Wikileaks.

Já com "Toda a Beleza e a Carnificina", vencedor de um Leão de Ouro no Festival de Veneza e que estreia nos cinemas portugueses a 30 de março, ela abordou a pandemia de mortes por opióides nos EUA. Paralelamente, Poitras mostrou a luta de uma das maiores fotógrafas contemporâneas, Nan Goldin, contra as empresas farmacêuticas.

"Toda a Beleza e a Carnificina"

A obra "tem algo em comum com os meus trabalhos anteriores: uma pessoa ou um pequeno grupo que combate forças muito poderosas nos EUA", explica.

O governo "sabia" sobre o perigo representado por essas drogas, que causaram meio milhão de mortes até agora.

A cineasta reivindica um trabalho "de colaboração, maior do que um relacionamento" superficial com os seus protagonistas.

"Provocador"

Edward Snowden em "Citizenfour"

"Tenho uma grande responsabilidade", afirma.

"Com Edward Snowden, literalmente tinha a sua vida entre as minhas mãos. O menor erro poderia acabar na prisão ou até algo pior", garante a documentarista.

Após uma longa viagem por diversos países, Snowden vive na Rússia e o presidente Vladimir Putin concedeu-lhe nacionalidade russa no ano passado.

Poitras confirma que esta época "foi a mais aterrorizante" da sua carreira.

"Não sabia se poderia voltar para os EUA. Nesse sentido, ser reconhecida como jornalista e cineasta claramente protegeu-me", admitiu.

O empenho desta cineasta veio do trauma causado pelo 11 de setembro de 2001 e a "guerra ao terrorismo", que desencadeou os ataques da Al-Qaeda.

Para esta natural de Boston, "a dominação mundial, a ocupação, a tortura, os campos (de prisão), tudo isso foi repugnante e acho que foi naquele momento que senti que tinha que dar uma resposta para isto, ao sofrimento que o meu governo infligiu em todo o mundo".

Os "EUA conseguiram radicalizar novas gerações que agora nos odeiam. É um desastre absoluto, não poderia ser pior", garantiu.

Premiada com um Pulitzer, Poitras continua a acreditar no poder da imprensa: "o bom jornalismo é sempre provocador. O mau jornalismo é curvar-se para se aproximar dos poderosos".

O esforço dos EUA para obter a extradição de Julian Assange, preso desde 2019 no Reino Unido, oferece "uma imagem muito sombria" para o futuro do jornalismo.

"A Europa deveria aumentar a pressão ou conceder-lhe asilo", defendeu.

Laura Poitras explica que foi colocada sob vigilância após o seu primeiro documentário e interrogada durante anos em aeroportos dos EUA: "Coloquei o meu dedo nisso, mas estou feliz por tê-lo feito".

Ao ser questionada se ainda está no radar dos serviços secretos do governo Joe Biden, ela sorri e responde: "Essa é uma questão para o governo".