Símbolo de violência sexual e machismo para alguns, orgulho nacional francês para outros, o ator Gérard Depardieu, que completa 75 anos esta quarta-feira (27), perdeu a sua aura de ícone intocável.
Apesar de ser acusado de violação em 2020, após uma queixa da atriz Charlotte Arnould, o ator continuava a multiplicar as suas rodagens ("Ilusões Perdidas", "Casa de Repouso", "Maigret"...).
Ainda mantinha a sua posição como monstro sagrado do cinema francês e, exceto nos círculos feministas, havia uma certa indulgência em relação ao ator. O seu temperamento forte, muitas vezes exagerado, conquistou a simpatia do público e da profissão.
As suas declarações sobre violações, nas quais teria participado na sua juventude, custaram a sua carreira nos EUA no início dos anos 1990, mas tiveram pouco impacto na França.
Em 2015, uma atriz tão popular quanto Sophie Marceau rotulou-o de "predador" pelo seu comportamento nas rodagens, mas esses comentários passaram totalmente despercebidos.
A indústria cinematográfica fez vista grossa, preferindo elogiar este intérprete, com mais de 200 filmes para o cinema e a televisão e uma presença que deu vida a grandes heróis da literatura francesa, como Cyrano, ou Jean Valjean (em "Os Miseráveis"), sem esquecer Obélix e figuras históricas como Danton.
Pausa na carreira
No final de 2023, porém, as extravagâncias do intérprete, que chegou a urinar num avião em 2011, já não causam mais graça. E Depardieu, que se tornou um dos artistas que mais dividem opiniões na França, decidiu fazer uma pausa na carreira.
Tudo se acelerou em menos de um mês, após a divulgação de uma reportagem do canal público de televisão France 2, na qual aparece a fazer declarações obscenas sobre mulheres, e até mesmo sobre uma menina.
As consequências foram imediatas. Depardieu foi despojado da Ordem Nacional de Québec (Canadá), perdeu o seu título de cidadão honorário de uma cidade belga, o Museu Grévin de Paris retirou a sua estátua de cera... algumas figuras proeminentes do cinema criticaram-no publicamente, como a atriz Anouk Grinberg.
Nesse contexto polémico, mobiliza-se um grupo pró-Depardieu. A sua família, especialmente a sua filha e atriz Julie Depardieu, denuncia uma "trama" contra o seu pai, e a sua ex-parceira Carole Bouquet defende o "humor, às vezes no limite", de um homem que seria "incapaz de fazer mal a uma mulher".
Na terça-feira (26), mais de 50 figuras da cena cultural francesa denunciaram no jornal Le Figaro um "linchamento" contra o intérprete. Entre os signatários, estão as atrizes Nathalie Baye e Charlotte Rampling, os atores Jacques Weber e Pierre Richard, e cantores como Roberto Alagna e Carla Bruni.
Depardieu "é provavelmente o maior de todos os atores. O último pilar sagrado do cinema", diz o texto, classificado pelo movimento coletivo feminista "Nous Toutes" (Nós Todas) como um "cuspir na cara das vítimas".
"Creio que é um ato muito corajoso por parte dos signatários", reagiu o ator na terça-feira, em entrevista à rádio francesa RTL, acrescentando que não foi o arquiteto dessa iniciativa que busca defendê-lo, mas apenas autorizou os seus autores a publicá-la.
Apoio de Macron
O caso entrou noutra dimensão após Emmanuel Macron, em plena crise política por uma lei de imigração apoiada pela extrema direita, defender o ator. O presidente francês denunciou uma "caça humana" e contradisse a sua ministra da Cultura, que questionou a manutenção da Legião de Honra do intérprete.
"Ele fez a França ser conhecida, os nossos grandes autores, as nossas grandes personagens em todo o mundo (...) Enche a França de orgulho", declarou Macron.
Depardieu tem uma história mais do que peculiar com a sua pátria, desde que anunciou, no final de 2012, que entregaria o seu passaporte em protesto contra os impostos mais elevados para os ricos. Optou por se exilar na Bélgica, com uma tributação mais baixa. Admirador dos líderes mais autoritários, também tem nacionalidade russa.
Do ponto de vista judicial, além da acusação de violação, Depardieu foi denunciado por agressão sexual pela atriz Hélène Darras, em eventos que, em princípio, teriam prescrito. Ele também é objeto de outra queixa na Espanha, feita pela jornalista Ruth Baza, que o acusa de violação em 1995. O ator nega as acusações.
Os seguidores de Depardieu defendem o seu direito à presunção de inocência.
"Você pode acusar alguém, pode haver vítimas, mas também existe uma presunção de inocência", insistiu Macron.
Comentários