Disponível em Portugal desde 2016, a Filmin é uma plataforma de cinema que se distingue pelo cuidado e toque pessoal na apresentação em canais e coleções temáticas dos seus filmes, seja dos grandes estúdios de Hollywood ou do circuito independente e de autor, europeu, americano ou asiático.
Antecipando a comemoração do Dia Internacional do Livro a 23 de abril, destacamos o canal dedicado à Literatura na Filmin, que reúne filmes dos clássicos aos recentes, dos mais populares aos mais singulares, que adaptam livros, além de "biopics" e documentários sobre escritores, e títulos onde as personagens e histórias são marcados pela literatura.
O Carteiro de Pablo Neruda (1994)
"A poesia não pertence àqueles que a escrevem, pertence àqueles que necessitam dela", diz a certo momento o carteiro do título deste filme que é um longo poema humanista sobre a vida e a grandeza de alma que se pode descobrir nos mais humildes.
Nomeado para cinco Óscares e vencedora da estatueta pela banda sonora, a adaptação do livro "Ardiente Paciencia", de Antonio Skármeta, é sobre a "simples" e comovente história da amizade entre o quase analfabeto Mario Ruoppolo com o poeta chileno Pablo Neruda, exilado por questões políticas numa pequena ilha italiana, no início dos anos 1950.
Além do sucesso em Itália, "O Carteiro de Pablo Neruda" foi um autêntico despertar cinéfilo para outro tipo de cinema de uma geração de espectadores, incluindo os portugueses na década de 1990, que se deslocaram com devoção durante cerca de três anos a uma sala de cinema lisboeta para ver Neruda ensinar ao carteiro sobre o amor, a vida e a poesia, libertando-o da sua timidez para conquistar o coração da sua amada, a bela Beatrice, mas também despertando um espírito que não sabia que tinha.
Para lá da oportunidade para ver um gigante Philippe Noiret como Neruda, incontornável é a presença de Massimo Troisi como Mario, que adiou a operação a uma doença de coração para completar o filme, morrendo doze horas após a rodagem das últimas cenas: frágil e pungente, o seu trabalho de amor surge em cada segundo no ecrã.
Conta Comigo (1986)
Desde os primeiros segundos em que se ouve o tema de Ben E. King que se embarca numa nostálgica viagem ao passado, mas não necessariamente ao final dos anos 1950 da história: este é um dos mais aclamados filmes sobre a infância.
Este clássico que marcou gerações segue quatro amigos que, para se tornarem heróis perante eles próprios e aos olhos da sua pequena localidade do Oregon, decidem procurar o corpo de um rapaz desaparecido, iniciando uma inesquecível viagem que se transforma numa incrível aventura que forja amizades e também revela a inesquecível e dolorosa experiência que é crescer.
Com uma prolífica atividade literária, generosamente adaptada ao cinema e televisão, Stephen King não gostou nada do que Stanley Kubrick fez do seu "The Shining", mas nem ele conseguiu negar que Rob Reiner conseguiu fazer uma das melhores adaptações de uma das suas obras (o conto semi-autobiográfico "The Body"), com magistrais interpretações de Wil Wheaton como o inteligente Gordie, Corey Feldman como o extravagante Teddy, Jerry O'Connell como o temeroso Vern e, incontornavelmente, River Phoenix como o duro e sentimental Chris, que aqui iniciou uma breve, mas intensa carreira que fez dele o grande talento perdido da sua geração.
Cyrano de Bergerac (1990)
No grande papel da sua longa e intensa carreira, um vibrante Gérard Depardieu (nomeado aos Óscares) é de uma magnífica transcendência como a personagem do título, um homem marcado por um nariz enorme que nutre uma profunda paixão platónica pela sua prima Roxanne, mas nunca teve a coragem de lhe declarar essa paixão. Por sua vez, esta apaixona-se por Christian, um belo tímido que não consegue manter uma relação normal com uma mulher. É então que Cyrano se propõe ajudar o amigo, escrevendo-lhe as longas e belas cartas de amor... onde finalmente extravasa tudo o que sente pela prima.
Vencedora de dezenas de prémios e nomeada para cinco Óscares (venceu apenas a estatueta pelo Guarda-Roupa no ano dominado por "Danças com Lobos"), esta adaptação da peça de Edmond Rostand foi, ao seu tempo, a mais cara da história da indústria cinematográfica francesa e o seu maior acontecimento em 1990.
Com a distanciamento de mais de 30 anos, este continua a ser um dos títulos mais marcantes do cinema francês, porque apesar de ser um trabalho onde tudo é monumental, a adaptação do realizador Jean-Paul Rappeneau com o escritor Jean-Claude Carrière não perde de vista o impacto emocional da peça, mesmo condensando a história a 135 esplendorosos minutos.
Drive My Car (2021)
Vencedor do Óscar de Melhor Filme Internacional e nomeado ainda nas categorias de Melhor Filme, Realização e Argumento Adaptado, este drama japonês aplaudido pelos cinéfilos que ganhou outras dezenas de prémios da crítica e fez parte em muitas listas dos melhores filmes do ano, é uma meditação lenta e subtil sobre o luto e a perda, adaptada de um conto do escritor Haruki Murakami.
A história acompanha a viagem, real e emocional, de um ator e encenador convidado a encenar "O Tio Vânia", de Tchekhov, num festival de teatro em Hiroshima, e da jovem discreta que é a sua motorista, em que se confronta com o passado e o mistério sobre a sua mulher, Oto, que morrera subitamente, levando um segredo com ela.
"Drive My Car" consolidou o realizador Ryusuke Hamaguchi como um dos mais importantes e populares autores asiáticos da atualidade, depois da aclamação por títulos como "Happy Hour: Hora Feliz" (2015), "Asako I & II" (2018) e "Roda da Fortuna e da Fantasia" (2021), também disponíveis na Filmin.
A Sangue Frio (1967)
Um dos marcos da literatura norte-americana do século XX é o romance de não-ficção "A Sangue Frio". O filme "Capote", de 2005, que valeu o Óscar a Philip Seymour Hoffman, descreveu exemplarmente como o escritor Truman Capote mesclou as técnicas de ficção, jornalismo e entrevista para contar a história verídica do brutal assassinato da família Clutter no Kansas e os eventos que levaram os assassinos Perry Edward Smith e Richard Hickock a cometer tal crime "sem motivo aparente", um dos mais perturbadores da história dos Estados Unidos.
Escolha pessoal de Capote por causa da adaptação com tanto impacto e sucesso do difícil "Gata em Telhado de Zinco Quente", de Tennessee Williams, um dos seus escritores de eleição, o realizador Richard Brooks inteligentemente preservou a estrutura e espírito originais que tornaram o livro tão inquietante e fascinante: o "docudrama" foi rodado nos verdadeiros locais, acompanhando os crimes, investigação, captura, interrogatórios, julgamento, condenação e execução, com atores muito parecidos com as figuras reais, a começar pelos desajustados assassinos, interpretados pelo recentemente falecido Robert Blake e por Scott Wilson (na estreia no cinema muitos anos da fama trazida como o veterinário Hershel Greene em "The Walking Dead").
Nomeado para quatro Óscares, "A Sangue Frio" retrata um acontecimento histórico e uma era. O estilo sóbrio praticamente semidocumental faz com que não envelheça e ainda cause calafrios. Já o dilema moral que surge com toda a "recriação" dura até à atualidade e Brooks coloca-se claramente de um lado: a oposição à pena de morte.
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