![](/assets/img/blank.png)
A realizadora Paula Tomás Marques fez um filme para lembrar que “a existência de pessoas LGBT e trans não é uma invenção moderna” e que ainda é difícil fazer cinema independente em Portugal, contou em entrevista à Lusa.
“Duas vezes João Liberada” estreia-se na terça-feira no Festival de Cinema de Berlim, onde o filme figura na nova secção competitiva “Perspetives”, dedicada a primeiras obras.
Esta longa-metragem foi coescrita por Paula Tomás Marques com June João, que protagoniza, interpretando uma personagem ficcional que podia ter existido: Alguém perseguido e marginalizado durante a Inquisição por ter tido uma conduta de vida que não correspondeu às normas da época sobre sexualidade e género.
![](/assets/img/blank.png)
“Comecei a fazer investigação sobre a existência de pessoas LGBT no passado e surgiu uma vontade de desenvolver um filme que desse conta disso, que possibilitasse dar a entender que a existência de pessoas LGBT e trans não é uma invenção moderna, é um tema com História”, afirmou Paula Tomás Marques.
A realizadora não queria fazer um filme biográfico de época sobre uma pessoa dissidente de género, até pela dificuldade de tentar fazer uma reconstituição histórica com um olhar contemporâneo sobre a temática ‘queer’.
Para Paula Tomás Marques, “ao invés de cristalizar a História, [a intenção] é usar a ficção para criar mapas de possibilidade histórica e promover uma reflexão crítica sobre poder, representação, as limitações do cinema enquanto veículo de memoria e identidade”.
“[Nas pesquisas] O que encontrámos foram pessoas que estavam de alguma forma em rutura com essas normas, que, vivendo as suas vidas, punham em causa o ‘status quo’ ou a forma como se vivia o género e a sexualidade nessa altura, e isso está registado na História e existe muito material sobre isso. Mas do ponto de vista do ‘storytelling’ audiovisual é difícil. Não sabemos como se vestiam e pensavam sobre si próprias”, explicou.
![](/assets/img/blank.png)
“Duas vezes João Liberada” é um filme dentro de um filme, com June João a vestir a pele de uma atriz que discute com um realizador como deve interpretar a personagem João Liberada.
Praticamente toda a equipa do filme surge no ecrã a interpretar os seus próprios papéis, expondo ao espectador os bastidores da feitura de um filme, o planeamento de produção, a discussão de argumento, de diálogos e planos, a repetição de cenas.
“Não tendo uma produtora e, fazendo os filmes sempre de forma independente, temos dificuldade em encontrar financiamento. E como nós estão outros jovens”, observou, referindo que não conseguiu financiamento do Instituto do Cinema e Audiovisual, ao qual concorreu.
“Duas Vezes João Liberada” foi produzido por Paula Tomás Marques e Cristiana Cruz Forte e rodado em película, com coprodução de Fúria de Boi, produção associada de Casa Estrela e da escola de cinema Elías Querejeta (ESpanha) e apoio da Kodak.
Paula Tomás Marques é ainda autora das curtas-metragens “Em caso de fogo” (2019), “Cabra Cega” (2021) e “Dildotectónica” (2023), “focando-se em temas relacionados com questões de género, sexualidade e historiografia”, como refere a distribuidora Portugal Film.
Sobre a ‘Berlinale’, Paula Tomás Marques enalteceu a exposição mediática que “Duas Vezes João Liberada” terá no festival, mas questionou a dependência do circuito de festivais para legitimar a importância de um filme.
“É o sistema em que estamos a viver neste momento e gostaríamos de ver um mundo em que a distribuição fosse vista de uma forma mais alargada e que os filmes não precisassem de um elo institucional para serem vistos, debatidos e distribuídos. Questionamos que novas formas de distribuição podem ser feitas”, disse.
A 75.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim termina no dia 23.
Comentários