Armando Iannucci, responsável por The Thick of It e Em Inglês, S.F.F., aponta as baterias ao sistema político americano com Veep, uma divertida comédia protagonizada por Julia Louis-Dreyfus, que marca o compasso desta série com o seu melhor desempenho pós-Seinfeld. Ela desempenha o papel de Selina Meyer, vice-presidente dos Estados Unidos da América, que lhe assenta que nem uma luva: a atriz tem um prazer diabólico a representar uma mulher poderosa que está sempre elétrica quando não consegue esconder a frustração pela inépcia das suas funções, o sistema e os incompetentes à sua volta.

Na investigação para o papel, a atriz teve a oportunidade de falar com vários assessores de vice-presidentes e até mesmo Al Gore (vice de Bill Clinton) e todos eles confirmaram o martírio de ser o número dois do número um mais importante do planeta, mas numa recente entrevista, Julia afirmou: tenho a sensação que estive a preparar-me para isto durante toda a minha vida.

A série não é sobre uma mulher na política, mas a existência da falta de poder, incompetência e disfunção democrática na política. Trata-se de uma visão que espreme todos os embaraços e incongruências nos bastidores de um escritório ao serviço do poder numa capital paralisada pelos lobbies e ridiculariza os golpes baixos, o pesadelo burocrático e as constantes trocas de posição consoante as sondagens e interesses.

A América é dos vencedores e Selina está em segundo lugar: a um passo de ser a pessoa mais poderosa no mundo, a vice não tem qualquer poder e o Presidente não lhe liga, literalmente, nenhuma vez. Ela bem tenta tornar o mundo melhor pois é uma mulher competente, mas falha de uma forma miserável. As suas iniciativas políticas são um desastre e a tentativa de compromisso com as esferas de influência colocam-na invariavelmente em maus lençóis.

A vida privada de Selina também é complicada: divorciada, tem um amante e uma filha na Universidade, mas quando a jovem caloira visita a mãe é o assistente Gary (Tony Hale, o brilhante cómico de Arrested Development) que lhe segreda ao ouvido de Selina os tópicos de conversa.

Nesta visão de humor densamente negro, a vice-presidente está rodeada por um staff constituído por interesses mesquinhos e idiotas chapados, cínicos e ambiciosos. Eles fazem a delícia dos espectadores, mas ao pé deles a função pública portuguesa tem a produtividade de um trabalhador alemão. A número dois é Amy (Anna Chlumsky), o seu pronto-socorro; Mike (Matt Walsh) é o porta-voz de impressa, sempre cansado e com um cão imaginário (apelidado pelos colegas por bullshitzu…); Gary é o braço direito e, embora não fosse necessário, é menino para levar uma bala por Selina; Sue (Sufe Bradshaw) é a secretária que programa os minutos do dia de Selina; Dan (Reid Scott) o assistente que mata e esfola para avançar a sua carreira; e Jonah (Tim Simons) é uma carraça presidencial (ou assistente da Casa Branca), arrogante q.b. e com a mania que é um borracho. Os acontecimentos desenrolam-se de uma forma séria, o que incrementa o poder hilariante de alguém que procura o sucesso e estatela-se a cada episódio. A linguagem carregada de obscenidades que faz parte do espetáculo, mas escrita por Armando Iannucci, que aprecia o improviso (a rodagem tem essa característica), parece poesia.

A rodagem da série decorre em Baltimore, uma cidade próxima de Washington onde a produção não teve restrições para filmar. Num armazém reconstruiu-se o interior do piso da vice-presidência no edifício Eisenhower, onde o lixo acumulado, desarrumação e sentido de claustrofobia nos meandros da política estão em cena. Filmada com duas câmaras ao ombro que vão apanhando os personagens e os ambientes em redor, os cenários todos iluminados permitem liberdade de movimentos aos atores. Armando Iannucci teve oportunidade de explorar o processo de trabalho na Casa Branca durante duas semanas, com direito a visita guiada de Reggie Love, assessor do Presidente Obama.

O sucesso de Veep, a sitcom mais inteligente de 2012, já valeu a renovação para a segunda temporada. A sua irreverência talvez a afaste de alguns prémios, mas não restam grandes dúvidas sobre o potencial cómico deste trabalho com um elenco fortíssimo e que marca o regresso em cheio de Julia Louis-Dreyfus, uma comediante que está nas suas sete quintas.