Vamos acreditar que em 2019 a televisão ainda consegue tornar comediantes em super-estrelas. Se acreditarmos nisso com unhas e dentes, Robin Thede, criadora e atriz de "The Black Lady Sketch Show" pode vir a ser grande estrela do humor americano. A série é um projeto de teimosia da própria, uma forma de reivindicação feminista sobre o papel da mulher negra nos EUA.
Thede e o seu grupo de humoristas afro-americanas encarnam diversos papéis (mesmo masculinos) numa série de sketches que gozam com tudo, desde o cinema afro-americano, às manias e tiques das mulheres negras até ao preconceito da América branca. Uma série para fazer rir sobretudo as mulheres.
Em Los Angeles, dias antes da estreia de um formato tão arriscado como estimulante, sentámo-nos numa suite do Hotel Beverly Hilton com Robin Thede, faladora nata e em decibéis salientes. Com os seus belos olhos verdes, promoveu como pôde o seu "bebé".
Qual foi realmente o ponto de partida para criar uma série à base de sketches?
Diria que percebi que havia uma oportunidade no panorama televisivo. Mas, na verdade, é uma paixão pura minha: contracenar com mulheres negras. Já faço isto ao vivo há mais de 20 anos e pensei: porque não levar isto para a televisão?! Depois do meu programa anterior ter sido cancelado, senti que era esta a altura certa. Mas está a rir quando falei do cancelamento!?
Não... [risos]
Pois, fui cancelada! É hilariante....Depois do "Late Night", sabia uma coisa: queria apostar na fórmula dos sketches. Além do mais, o momento em que vivemos era propício para apresentar e a HBO era a cara de "A Black Lady Sketch Show"! Sinto que as pessoas querem ouvir vozes de humor diferentes. E com esta série conseguia ainda fazer algo que gosto: saltar de um género para outro. Não conheço outro show de sketches que passe do thriller para o terror ou coisa assim.
Acha que todo o seu humor vai passar para as “queridas pessoas brancas” da Europa?
O meu objetivo é ser muito concreto mas universalmente divertido. A comédia salvou a minha vida e é um denominador comum entre todos nós. Através da comédia comunicamos algo que com palavras nem sempre conseguimos...Ontem, um amigo de Londres confessava-me que não tinha percebido todas as piadas mas que entendia porque tudo era cómico. Era isso que me interessava.
A série tem uma perspectiva global. E com toda aquela maquilhagem, guarda-roupa e cenários, nós vamos até ao fim! Somos capazes de interpretar aliens, homens, mulheres e tudo o mais. Ora, só isso já é sempre divertido. Além do mais, tentámos não ter sempre piadinhas demasiado específicas. O importante é o público conseguir perceber qual o ponto de vista. Problemas de relações, um pedido de casamento falhado um grupo de auto-ajuda secreto, etc., são coisas de reconhecimento universal. O que é fixe é que uma série destas permite que, por exemplo, em Portugal se possam ver mulheres negras na televisão! Mulheres negras numa série de abordagens cómicas. Tentamos absorver tudo o que tem a ver com o nosso universo feminino e com situações reais. Foi nossa intenção criar temas com os quais as pessoas se possam rever. Mas vivo com medo desta série ser cancelada devido a alguma piada... Atenção, acredito que na comédia vale tudo, exceto enxovalhar alguém de forma gratuita. Sei que esta série vai enfurecer alguém com alguma coisa. A melhor comédia é a mais inteligente...
Qual foi a sua inspiração para enveredar pela comédia?
Diria que foi a Whoopi Goldberg. Toda a sua carreira é uma grande inspiração para mim. Mas depois de ver "In Living Color" é que percebi que a comédia iria ser o meu caminho. Depois disso, fui marcada também pelo "Saturday Night Live". O meu nome é Robin devido à paixão do meu pai pelo Robin Williams. Gostava muito dele – nunca o conheci....
Sente que esta oportunidade é uma “lança em África”? Ou seja, é uma forma de atrizes de humor começarem a ter o seu espaço?
É verdade! Há uns meses não tínhamos a mínima ideia de que esta série iria existir! Diria que estamos a viver um momento de viragem e fulcral. A partir de agora, a porta está aberta para virem outras mulheres negras fazerem algo do género! Isto se a série correr bem, enfim, sinto uma responsabilidade, mas sei muito bem que fizemos algo bem especial. Mas agora quero também abrir um franchise disto. Quero "Sketch Lady" da Índia, "Sketch Lady" na Ásia, no Brasil, etc. Venha o dinheiro! Era importante a porta continuar aberta para as mulheres, muito embora saiba que este negócio funcione por ciclos.
O #MeToo foi fundamental?
Não creio. A HBO não me deu esta oportunidade só pelo facto de Harvey Weinstein ter sido apanhado. O que nós estamos a dizer é que as mulheres negras em comédia resultam! Mais nada!! O que sinto é que agora as pessoas olham para as mulheres de forma diferente. Há verdadeiramente uma percepção de possibilidade de igualdade. Para além de tudo, esta indústria está a ter mesmo um despertar em torno da igualdade, mesmo tendo em conta de que há ainda trabalho a ser feito. Haver uma série como esta, onde há muitas mulheres em frente à câmara, ajuda que no futuro seja mais fácil para outras mulheres terem trabalho. Aqui, senti que o ambiente nas filmagens era aberto, seguro e perfeito. Havia muito respeito e não era só porque nós éramos mulheres. Este movimento permite que o respeito seja global.
Qual foi o "pitch" [grande argumentaçã0] que fez sobre esta série quando a apresentou à HBO?
É uma carta de amor a todas as mulheres negras. Quis que fosse uma forma diferente e plural de se mostrar a essência das “black ladies”. Penso que nenhum outro produto televisivo foi tão longe nisso.
Rui Pedro Tendinha, em Los Angeles, a convite da HBO Portugal
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