As duas temporadas de "After Life" (seis episódios cada) estão disponíveis através da Netflix.

Crítica de Daniel Antero.


Ricky Gervais sempre soube nutrir as suas personagens peculiares e desbocadas de uma certa inocência sem filtros ou pretensões.

Com Derek (da série com o mesmo título), David Brent ("The Office"), Andy Millan ("Extras") ou mesmo a forma como trabalhou com Karl Pilkington (no podcast "The Ricky Gervais Show" e spin-offs), dotou-as de um rastilho para vociferar questões incómodas sobre assuntos tabu. E, com isso, conseguiu criar em nós empatia, indulgência e comiseração para os aturar e talvez compreender.

Tony (Ricky Gervais), a personagem principal de "After Life", segue o mesmo rumo, mas surpreende pelo seu amorfismo, ateísmo e niilismo justificado: está sem conforto e prestes a desistir da vida.

Apresentada como uma comovente pérola de humor e escárnio, a primeira temporada lançada em março de 2019 foi uma entrada esclarecida no poço negro, por vezes indigno, que é o processo do luto.

Após a morte da esposa, Tony ignorava os colegas na redação do jornal local, procurando consolo nos filmes caseiros e a consumir heroína. Pelo meio, enquanto vagueava sonâmbulo pelas histórias que cobre para os seus artigos e ouvia os conselhos da amiga Anne (Penelope Wilton), encontrava um novo romance em Emma (Ashley Jensen) e algo parecia iluminar-se.

Não foi o caso: na segunda temporada lançada pela Netflix a 24 de abril, apesar de o encontramos disponível para fazer um esforço e voltar a aproximar-se, acreditando na bondade, na compaixão e na sua própria generosidade para com os outros, Tony volta a chafurdar na sua existência.

Daí que, como uma exploração da saúde mental, do sofrimento e da solidão, seguimos várias personagens secundárias a receberem o seu apoio para resolverem os seus próprios problemas.

Existe um crescimento moral e aquilo que nos parece ser uma saída do estado egocêntrico e auto-destrutivo de Tony. Mas com um argumento assente numa fórmula repetitiva, onde se vão desenrolando cenas que resvalam para o absurdo, torna-se mais evidente o maquinismo de Ricky Gervais para dar voz aos temas comuns do seu humor provocador e inusitado.

Identidade de género, cirurgia plástica, Holocausto ou selecção natural são temas explorados com personagens cada vez mais abusadoras, como um psicólogo egocêntrico e debochado ou um carteiro que não compreende o espaço físico e social.

Deixando Tony para segundo plano e sem sinais evidentes de progressão, o humor depressivo e inoportuno de "After Life" acaba por se desvanecer, tornando estes seis novos episódios ciclos mastigados do que foi tão bem explorado na primeira temporada.

O conceito da série esgotou-se e chega mesmo a aproximar-se de ter um ritmo maçudo, pois Tony só tem uma fixação: lamentar-se persistentemente sobre a sua angústia e sentimento de perda. Só que Gervais sabe tocar no nervo com a sua insistência e quando vislumbramos o possível desfecho de Tony, entendemos que isso é o que é depressão...

3/5