"É como um filme coming of age, mas com homicídios e esfaqueamentos de vez em quando", descreve uma muito espirituosa Jennifer Tilly ao apresentar a série "Chucky" ao SAPO Mag, durante uma entrevista via Zoom.

A primeira temporada da continuação da saga de terror (em alguns capítulos com acessos de comédia negra) criada por Don Mancini, em finais dos anos 1980, estreia-se esta segunda-feira, dia 10 de janeiro, no Syfy, a partir das 22h15, com episódio duplo - depois de ter sido emitida nos EUA desde outubro de 2021.

Chucky

Já com uma segunda época confirmada, prevista para 2022, a série traz de volta não só o protagonista, que atormentou (e também fez rir) várias gerações ao longo de oito filmes, mas ainda algumas personagens secundárias de uma mitologia e cronologia que tiveram início no muito popular "Chucky, o Boneco Diabólico" (1988), de Tom Holland (uns anos antes de o ator homónimo do realizador ter nascido).

Andy Barclay, que era criança nesse primeiro capítulo, regressa na pele do ator original, Alex Vincent, tal como a sua irmã adotiva, Kyle (Christine Elise), e Nica Pierce (Fiona Douri), possuída por Chucky nas sequelas mais recentes, enquanto que Brad Dourif volta a ser a voz do boneco diabólico. Jennifer Tilly, outro nome-chave da saga, também não faltou à chamada, e em dose dupla: dá voz à boneca Tiffany Valentine, a fiel companheira do vilão de palmo e meio (presente neste universo desde "A Noiva de Chucky", de 1998), e encarna a sua versão humana.

Trailer de "Chucky":

A atriz norte-americana de 63 anos, cuja carreira ganhou maior embalo em meados da década de 1990 através de filmes como "Balas Sobre a Broadway", de Woody Allen (que lhe valeu a nomeação para o Óscar de Melhor Atriz Secundária em 1994), ou "Bound - Sem Limites", o primeiro filmes das irmãs Wachowski (com o qual ganhou o prémio de Melhor Atriz no Fantasporto, em 1997), garante continuar a divertir-se através de uma personagem "instigadora do caos" que "suja as mãos" na série como nunca o fez em qualquer dos filmes.

(RE)COMEÇAR DE NOVO

Além de revisitar temas e personagens clássicas, "Chucky" também quer ser a porta de entrada para uma nova geração de fãs, partindo de uma combinação de drama adolescente, humor irónico (às vezes auto-referencial) e, claro, terror slasher delirante com salpicos gore.

Chucky

A aposta desenvolvida pelo Syfy com o USA Network, que tem Don Mancini como criador, argumentista, showrunner e realizador do primeiro episódio (ao lado do produtor de sempre David Kirschner), começa por acompanhar o quotidiano de um grupo de estudantes de uma pequena cidade norte-americana, até então pacata, a partir das experiências de Jake (Zackary Arthur), um rapaz de 14 anos a quem Chucky acaba por ir parar às mãos. E o boneco diabólico torna-se decisivo para executar um plano de vingança contra Lexy (Alyvia Alyn Lind), a rapariga mais popular da escola e também a mais agressiva no bullying que sofre quase diariamente.

O facto de o protagonista ser homossexual também não lhe facilita a vida escolar nem familiar, embora a cumplicidade com um colega, Devon (Björgvin Arnarson), lhe mostre uma luz no fundo do túnel... a menos que Chucky a apague com os tais "homicídios e esfaqueamentos de vez em quando" prometidos por Jennifer Tilly na entrevista ao SAPO Mag:

SAPO Mag - A saga do Chucky tem tido filmes desde os anos 1980, e agora uma série. Porque é que acha que perdurou tanto tempo?
Jennifer Tilly - O último filme que fizemos foi "O Culto de Chucky" e há mesmo um culto do Chucky. Há muita fan art, muitas pessoas que se vestem de Chucky e Tiffany para o Halloween, muitas drag queens que se vestem como a Tiffany, há toda uma subcultura. Ele mata pessoas e não se arrepende disso. As pessoas adoram o seu sentido de humor e crueza, mas acho que a diferença também passa pelo facto de o Don Mancini, que escreveu o primeiro filme do Chucky, ter escrito todos os outros e realizado dois. Ele também é um fã de terror, e é o maior fã do Chucky. Por isso, quando escreve um argumento, pensa no que gostaria de ver, enquanto fã, e vai por aí. E fica muito entusiasmado quando pode fazer mais um filme.

Jennifer Tilly

Como olha para a evolução de Tiffany Valentine ao longo dos anos, dos filmes à série?
Quando ela surgiu, não me apercebi que era tão má. Mas ao ver os flashbacks [em algumas cenas da série], vi que era mesmo sedenta de sangue. A Tiffany é tão má como o Chucky, talvez até pior. Ela teve sempre esta atração trágica pelo Chucky, que a trata como lixo, mas por algum motivo ela está apaixonadíssima por ele. E faz coisas terríveis por amor, nem percebe que são más. (...) Ao interpretar a Tiffany posso fazer de tudo. Não costumo ter muitas propostas destas com a minha idade. Tenho cenas de sexo, mato pessoas, ando por aí a ser sexy e maléfica, é muito divertido encarnar a Tiffany ao fim de todo este tempo.

Depois de tantos filmes, o que é que a série vem trazer a esta saga - para além do facto de ser a primeira série?
Acho maravilhoso que o Don Mancini possa conjugar e aprofundar tantos arcos narrativos e personagens. Ele é gay e criou uma personagem em parte baseada na sua experiência como adolescente. Isso dá à série um lado muito emocional. Se não fosse o facto de o Chucky andar por lá a matar toda a gente, seria uma história de amor comovente [risos] na linha de um filme do festival de Sundance. A fotografia e direção artística são lindíssimas. Tem alguma coisa para toda a gente: é comovente, é camp, é divertida, é negra, é perturbadora, é uma festa pós-pandemia perfeita. As pessoas adoram o Chucky. E perdoam-no no sempre. Acho que em parte é por ser tão engraçado quando o faz. E também por não ser um boneco CGI, é mesmo uma marioneta.

Chucky

O foco da série em questões como o bullying ou a homofobia no universo adolescente também introduz um nível de violência mais psicológica, menos presente nos filmes. O Chucky não é a única personagem a expressar-se de forma violenta...
Os fãs odiaram a Lexy por ser tão má. Toda a gente já viu a rapariga popular do liceu humilhar alguém em público. E os fãs queriam que ela pagasse por isso. Mas o que acho incrível no Don [Mancini] é como mostra que ela também é uma pessoa, que tem problemas em casa. De uma forma bizarra, o Chucky parece ter mais compaixão do que alguns miúdos do liceu. É uma reviravolta interessante. Tem quase uma relação de pai e filho com o Jake. Mas enfim, penso que ele gosta do Jake mas também está a ser um manipulador exímio e tem um plano insidioso que não se limita ao de único amigo. Mas é isso que os predadores fazem, aproximam-se de pessoas vulneráveis e isoladas da sociedade.

Uma vez que esta é uma saga de terror, o que apontaria como o aspeto mais assustador de ser atriz hoje em dia?
Talvez o facto de envelhecer. Há uma altura em que parece que os papéis desaparecem. E não é só em relação a mim, há muitas atrizes que tiveram sucesso nos anos 1990, como eu, que batalham pelo mesmo papel. E não escrevem muitos papéis para mulheres mais velhas. Aquele ator do "Gladiador", não me lembro do nome dele [Russell Crowe], disse que as atrizes mais velhas não querem interpretar todo o tipo de papéis. Mas não, só há dois ou três papéis para mulheres mais velhas por ano e a Meryl Streep, a Judi Dench ou a Frances McDormand ficam sempre com eles. Nós queremo-los, mas não os podemos ter. [risos] Também é difícil porque os papéis para mulheres da minha idade são sempre os de avó, mas os diretores de casting dizem que não encaixo nesse perfil. A maior parte dos papéis estão na televisão, onde vemos atrizes como a Reese Witherspoon, a Jennifer Aniston, a Nicole Kidman... Isso é uma benção para atrizes mais velhas, conseguimos ter uma casa nos serviços de streaming. Talvez continue a participar em "Chucky" nos próximos dez anos, quem sabe, pelo menos a segunda temporada já foi confirmada... E os fãs adoram a Tiffany, graças a Deus por isso! [risos]