A história já foi retratada num documentário de 2017, mas ganha agora vida numa série ficcional. "A Friend of the Family" conta a história perturbadora (e verídica) da família Broberg, cuja filha foi raptada duas vezes ao longo de um período de vários anos na década de 1970 por um carismático e obcecado "amigo da família".
Os Brobergs eram dedicados à sua comunidade, religião e família e não estavam preparados para as táticas sofisticadas que o seu vizinho usou para explorar as suas vulnerabilidades, criar cisões na família e aproximar-se da sua filha.
Jan Broberg foi raptada aos 12 anos e de novo aos 14 por Robert Berchtold, um vizinho e amigo da família, que chegou a ter envolvimentos com o pai e a mãe da menina e que tinha de tal forma a confiança dos pais que quando a levou pela primeira vez, os Brobergs se recusaram, num primeiro momento, a acreditar que se tratava de um rapto.
As vidas de todos os envolvidos mudaram para sempre depois do caso, mas a criança voltou para os pais e a família sobreviveu ao trauma. Jan, aliás, é uma das produtoras desta série da Peacock que está disponível em Portugal no serviço de streaming SkyShowtime.
O SAPO Mag viajou até Amesterdão para o lançamento europeu do serviço e conversou com dois dos protagonistas da série: Jake Lacy ("The White Lotus", "Fosse / Verdon"), que interpreta o papel de Robert Berchtold, e Colin Hanks, o filho de Tom Hanks, que conhecemos de produções como "Fargo" ou "American Crime Story: Impeachment", e que aqui dá corpo ao pai de Jan, Bob Broberg.
SAPO Mag (S.M.): Como é que surgiu este projeto e o que é que vos atraiu nesta história?
Colin Hanks (C.H.): Mandaram-me os guiões e eu depois descobri que havia um documentário sobre os Brobergs e este caso. Vi o documentário e, honestamente, não consegui tirar a história da minha cabeça. E quanto mais falava com pessoas, mais percebia que muitas já conheciam a história. Dei comigo a ter constantemente a conversa sobre como é que aquilo aconteceu? Como é que eles tomaram aquelas decisões?
S.M.: Penso que disse que esta era a história mais triste que alguma vez tinha lido...
C.H.: Sim, o assunto é tão incrivelmente preocupante, penso que é a melhor maneira de o descrever. E, à primeira vista, há muito para entender e pensamos que talvez não consigamos estar a pensar nisto o tempo todo. Mas o que eu achei mesmo interessante foi que ao longo de toda a série são apresentados todos os diferentes temas em jogo e todas as diferentes lutas que todos têm e isso torna mais fácil identificarmo-nos com a história. Penso que quando se está apenas a julgar a história à distância, pensamos que tudo aquilo é demasiado. Mas quanto mais se aprende sobre o assunto, mais se vê o que o aliciamento realmente implica. Vemos como eles são manipulados e chantageados e é isso que torna tudo um pouco mais compreensível.
S.M.: O Jake interpreta um psicopata pedófilo e um manipulador nato. Como foi a pesquisa para este trabalho e construir esta personagem?
Jake Lacy (J. L.): Há três tipos de áreas gerais que focámos na pesquisa. Tentámos compreender os factos objetivos e a cronologia da vida do Robert Berchtold o melhor que pudemos. Depois, tentámos perceber elementos de coerção e manipulação e como alguém os usa, quer isso seja instintivo, quer seja aprendido e compreendido. O último elemento foi ler a "Lolita", algo que é ficção narrativa, mas que é construído a partir dos mesmos temas e da mesma obsessão e poder ver através desse ponto de vista o que eles procuravam, sem ter os juízos de valor compreensíveis que o resto de nós tem em relação a pedofilia e tentar construir alguns alicerces a partir desses elementos. E depois, esperamos, quando se chega à rodagem, que isso esteja tudo lá.
S.M.: Uma coisa que é interessante na sua carreira é que passou de fazer de bons da fita para fazer tipos desprezíveis, como em "The White Lotus" e agora em "A Friend of the Family". Foi uma mudança consciente ou aconteceu apenas porque são bons papéis e quer interpretá-los?
J. L.: Foi muito mais a segunda opção. Sempre quis ter uma carreira variada e ao longo dos anos tive oportunidades para interpretar outros papéis para além de um bom namorado ou um bom marido, mas ninguém viu esses outros trabalhos na verdade. Por isso, compreensivelmente, eu parecia estar a ir num sentido único. Já teria muita sorte por estar apenas nesta indústria e poder interpretar bons namorados para sempre. Só poder estar aqui é incrível e sinto-me duplamente grato por depois ter conseguido mudar e expandir os meus papéis um pouco com o "The White Lotus" e agora novamente aqui a trabalhar com atores maravilhosos, numa série com uma escrita fantástica, realizadores incríveis e em algo que é talvez mais complexo ou mais negro do que aquilo que fiz no passado.
S.M.: Creio que a Jan Broberg falou e trabalhou convosco nas vossas personagens. Como foram essas conversas com ela e de que forma influenciaram a forma como retrataram as personagens?
C.H.: Quando cheguei a Atlanta, ela tinha-me deixado um bilhete escrito à mão e nesse bilhete estava basicamente a sua bênção. Ela deu-me um voto de confiança incrivelmente amável e gracioso e disse 'é a melhor pessoa para estar a fazer de meu pai. Estou tão feliz. Sinto-me tão honrada por estar a fazer isto. Sei que o vai tratar com o maior respeito'. E só o facto de saber que ela estava tão confortável comigo e entusiasmada deu-me uma sensação de liberdade para depois poder fazer todas as coisas que ia fazer. Na verdade, só trocámos mensagens. Nunca falei pessoalmente com ela até a conhecer no set algumas semanas após o início da produção, mas mandava-lhe mensagens com perguntas aleatórias. Disse-lhe: 'Olha, vou fazer um milhão de perguntas parvas'. De que tipo de música ela se lembrava de ouvir, se havia alguma frase que ela se lembrasse do que o seu pai dizia... E ela respondia ou outro membro da família enviava-me um e-mail com vídeos do Bob.
S.M.: Vimos recentemente algumas séries sobre assassinos psicopatas como, por exemplo, "Dahmer" na Netflix, que se tornou muito popular, e agora temos "A Friend of the Family". O que diriam que é único nesta série e que a distingue de outras séries do mesmo género?
J. L.: Termina com tanta esperança... Penso que muitas séries de crimes verdadeiros ou coisas que talvez sejam empurradas para esse género terminam com a escuridão total, o desespero e a tragédia. E esta tem esses elementos mas, no fim, os mesmos elementos que o Robert Berchtold usou para manipular e torturar esta família são os mesmos elementos - confiança, amor e fé - que lhes permitem ultrapassar aquela situação e sarar. E no final vê-se a porta aberta para sararem. Penso que isso diz muito da equipa criativa por detrás desta série, que quer contar esta história na sua essência, na sua totalidade, e não terminar com o segundo rapto e com todos a sentirem-se desesperados. Eles recuperaram a Jan e continuam a amar-se e a compreender-se mutuamente durante décadas. E isso parece tão crucial e único agora.
C.H.: Acho que isso também é o reflexo da Jan e a Marianne serem produtoras. Elas deram o seu parecer sobre a série. Não vi nenhuma das outras séries, mas o que achei realmente diferente neste projeto, foi que queria mostrar como estas coisas aconteceram e não tanto apenas olhar para todas as coisas que aconteceram. A série leva o seu tempo para mostrar que é assim que estas coisas acontecem no mundo real. E mesmo acontecendo, ainda é possível seguir em frente com a vida e ter um sentido de esperança. E isso, penso eu, é a essência da história. Tal como os Brobergs, é essa marca que eles deixam.
O SAPO Mag viajou a convite da SkyShowtime.
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