De três em três anos, desde 2009 a esta parte, somos brindados com um novo disco dos Virgem Suta. Depois do álbum homónimo e de "Doce Lar", "Limbo" é o novo registo que tem deixado a malta de auriculares nos ouvidos, entretida a trautear as novas e leves letras. Para Nuno Figueiredo e Jorge Boavinda é sempre o melhor que conseguem fazer. E quando se dá tudo, a mais não se obriga.

Virgem Suta

SAPO On The Hop: Quando é que vão começar a tocar em casas?

Nuno Figueiredo: Sabes, foi uma coisa que nós fizemos quando foi o Guimarães Capital da Cultura. Tivemos essa experiência, do Mi Casa Es Tu Casa, fomos lá tocar. E nós desde sempre que gostámos da brincadeira de interagir e de estar muito próximo das pessoas. As canções tomam uma outra dimensão quando estamos assim perante as pessoas, frente-a-frente. E agora – deves estar a falar a propósito d’Cave do Markl” – quando esta ideia surgiu achámos logo fantástica. Estar com amigos, tocar para eles. Aquilo foi uma coisa espantosa, porque estavas a sentir num ambiente muito acolhedor e saber que do lado de lá estavam 12 mil, 18 mil pessoas.

O Markl falou em 60 mil...

NF: Sim, é incrível.

Se calhar um palco maior do que um que vocês já tocaram.

Jorge Benvinda: Sim, sim. Se calhar, o palco maior que nós já tocámos foi o Marés Vivas...
NF: Com uns 20 mil, por aí.
JB: Foi giro, porque foi algo muito intimista. Não tens percepção do público, mas chegas às pessoas. E estamos muito à vontade com o Markl. E sinto que estivemos a fazer algo de inovador que pode ser uma nova ferramenta que o Markl acabou por inventar. Assim surgiu uma nova rubrica para ele, porque deixou o público muito interessado em possíveis novos concertos.

E na altura certa, por causa do álbum.

JB: Sim... E em simultâneo havia pessoas a dizer: “Estamos a comprar o disco agora!” Hoje em dia muita gente acaba por fazer compras por impulso, e estamos a viver o momento. Caso não haja este impulso, os CDs ficam na loja e as pessoas pelo Youtube.

E dão mais valor aos CDs ou ao streaming?

NF: Eu gosto muito do disco. Os discos que tenho são normalmente de artistas que aprecio mesmo muito, de quem sou fã. Gosto de ler as letras, de seguir aquilo e imaginar que ele concebeu isto de alguma forma e não sei quê... Estar ali a imaginar e filosofar sobre aquilo. Mas cada vez mais uso o streaming, desde que há. Uso o MEO Music...

Que foi a primeira plataforma onde saiu o vosso disco.

NF: Sim, sim!
JB: Nós trabalhámos com a Michelle Vieira, que está à frente do MEO Music e que sempre foi muito impecável connosco. Até nos perguntou como é que nos víamos aqui, como forma de adaptação.

Virgem Suta

Então, acabando o assunto d’A Cave do Markl, o feedback acabou por ser excelente. Vocês costumam ter atenção com as redes sociais?

NF: Sim, temos alguma. Mas de facto foi algo que superou tudo aquilo que esperávamos, ou costumávamos pensar que pudesse dar. Mesmo o Markl sentiu isso. Até lhe disse: “Criaste um monstro”. Porque de facto, foi muito fixe, pá. Foi incrível! Adorei saber que as pessoas seguem tanto, e nós já estávamos alimentar o disco há algumas semanas, no nosso facebook, e temos noção que é uma ferramenta que chega às pessoas muito rápido e para massas muito grandes, que de alguma forma é difícil chegar.
JB: Estas parcerias são importantes. Temos uns 40 mil gostos, e podemos chegar a uma base de fãs à volta disso. E mesmo esta possibilidade de criação de parcerias com quem tem mais visualizações, chegar a mais gente. Isto é como a televisão ou a rádio. Não há hipótese. Com a condicionante que tens feedback na hora e podes dar simultaneamente comunicar e: “Olha, alguém disse não sei o quê!” E tu ainda dizes: “Esta é para ti João!” Há um lado virtual, em que estamos numa videoconferência com uma aproximação muito grande, maior ainda que a televisão, que há um feedback e um contacto e tu reages bem a isso, como há algumas vezes com os programas da manhã, mas pronto, dou por mim a perceber que é muito importante. O Nuno comunica mais no Virgem Suta, eu depois tenho com o meu restaurante, com outro espaço que tenho, da galeria. Este espaço utilizo para divulgação. Mas tenho noção que esta ferramenta nos possibilita fazer mini-concertos para Tóquio. Se há um café que tem internet, e nós temos duas guitarras e damos um concerto, uma brincadeira para divulgar o trabalho que temos e o concerto que vamos dar mais logo à noite. Isto possibilita-te um engenho que tens que podes usar a ferramenta e trazer coisas novas. Ela não será uma novidade, mas a forma como podes usar é que poderá ser uma novidade.

Uma coisa que não tinham há seis anos. O que é que vocês acham que mudou mais neste tempo todo?

JB: Deixa-me só responder a isto. A maior transformação foi as rádios a mudar por completo. A RFM só a passar kizomba, a Comercial a ter percepção que tem de ser líder e tem de agarrar só naquelas músicas que lhes dão e que todo o resto não existe e que existe falta de poesia em Portugal. Em termos de ferramenta existe um outro caminho, uma outra possibilidade de divulgação do nosso trabalho. Se não for com uma rádio líder, tem de ser com outras 300 rádios não líderes. Se não for com este programa de televisão, tem de ser com amigos como o Nuno Markl e outros que têm um grande feedback de pessoas. Tem de haver soluções, e graças a Deus, passados seis anos, há outras soluções que não nos fazem mandar a mão à cabeça. Afinal, há mais caminhos, não se chega a Roma só por uma via.

A divulgação tornou-se mais difícil mais há mais planos bês.

JB: Não é tão mainstream mas se calhar chega às pessoas de uma outra forma, que se calhar tem uma outra envolvência e um outro valor às quais chega. A forma como descobrem. Eu digo isto porque estamos a receber feedbacks de ou se lembraram de mentir todos em conjunto ou então mesmo a gostar do que estão a ouvir e da brincadeira e estão a achar fixe. Se calhar é isto, se calhar não estão a mentir em conjunto.

E para ti, Nuno?

NF: Foi toda esta mudança. Antes gravávamos um disco e tínhamos esta ideia que era o suporte principal. Agora toda a gente ouve o disco de uma outra forma. E foi de facto esta curiosidade, de o mercado ficar de alguma forma formatado que é um filtro enorme de grande parte da música que é feita em Portugal. Estamos a falar de uma grande faixa de criadores, que está impossibilitado de usar determinadas ferramentas simplesmente porque a lei do mercado da música, faz com que grande parte nem sequer apareça. Aí que mudou radicalmente. A formatação é de tal maneira grande que fica impermeável e não há hipótese. Dantes ainda havia essa possibilidade, com uma música ou outra. Agora não. Agora a coisa está definida para tal acontecer. Tens de arranjar os tais planos b para lá chegar. Tirando isso, a música está muito mais próxima das pessoas.
JB: A própria visão artística também mudou! No outro dia estava a ler uma conversa de facebook em que uma atriz também falava de como as coisas também estão mudadas. Quem não percebe nada, programa cultura. E as pessoas que dominam as questões da arte são cada vez mais deixadas de lado e para trás e não servem. E qualquer outra pessoa, por algum esquema, está a fazer o que determinadas pessoas deviam fazer. Acho que está acontecer aqui, está a fazer perder o valor artístico e que se ganhe um valor qualquer. “Quantas pessoas queremos meter aqui? Temos de ter casa cheia por causa das eleições...” Então não interessa. O que interessa é meter aqui pessoas.
NF: Passa-se a ideia de um produto e não de uma arte, não é? Estar a fazer música ou a fazer chouriços quase tanto faz, desde que meta lá as mesmas pessoas e eu acho que isso é um pouco subverter a parte mais artística da coisa. Eu acho que um disco inevitavelmente demora tempo. Tens de pensar num conceito, tens de pensar na mensagem que queres passar. Eu acho que ser só o entretenimento banaliza de tal forma a coisa, que cria um ímpeto de tal forma, disto que se chama a indústria musical. Isto torna as coisas quase desinteressantes, tal forma consumidora. E nesta sociedade consumidora que vivemos é quem manda. O lado mais artístico da coisa passa muito ao lado. Isso é perverso.

Pelo que depreendo, com as vossas recentes entrevistas e pelo que estão a dizer, este álbum demorou este tempo, também para fazerem uma coisa sólida.

NF: Sim, claro. Os nossos discos demoram algum tempo.
JB: Nós editámos em 2009, 2012 e 2015. São sempre de três em três anos.
NF: As coisas têm de fazer sempre sentido. Portanto, gravar um disco só por gravar, só porque sim, para marcar um ponto na carreira, é só estranho. E não faz parte de nós. Nós temos uma vida paralela, com as nossas profissões...
JB: [interrompe] Agentes Secretos!
JB: ... em que se não for algo realmente importante para nós, mais vale nós estarmos quietinhos. Se não temos mais nada para dizer, não vamos encher mais ruído isto que já está poluído demais. E a ideia é sempre essa. Definirmos uma perspectiva sobre o mundo, um caminho a seguir e uma mensagem que queremos passar e depois trabalhar sobre isso, o que demora tempo. Se calhar é algo que demora muito tempo.
JB: Há canções que temos, organizamos e depois vemos o que interliga elas todas. Neste universo, isto é o nosso yin-yang, o nosso Virgem Suta, o nosso limbo está aqui em todas as canções. Foi uma coisa que nós sentimos, e acabamos por dar corpo. Isto às vezes não é uma linha, isto é uma manta de retalhos.

Virgem Suta

Querendo evitar a pergunta cliché das vossas inspirações, já tiveram algum episódio nas vossas vidas em que: “ah, isto dava para tocar!”?

NF: Claro. Está na origem deste álbum também. Não será uma descrição nua e crua, mas tem muito de nós. E tem muito do nosso olhar. Mas tem ali muitos pedacinhos de vida com as quais cruzámos.
JB: Sim, eu tenho o “Outubro”, em que senti que estava a fazer quarenta anos e estava frustrado em pensar quantos anos vou viver mais. Assim surgiu o “Outubro”. O “Ela não teve chão” estava a pensar na Joana e nas cenas dela, e estava a escrever entre as ilhas Phi Phi e Patong no barco, e escrevi aquela letrinha. O “Viva o Povo” irritei-me absolutamente com a forma como acabamos por descontrolar ou controlar uns aos outros, com o esquema das facturas por causa do BMW que se pode ganhar, em vez de talvez pensarmos num resultado para melhorar Portugal. Isto é uma perversão incrível. Como o Estado pode conseguir e leva o povo a agir como carneirinhos, com a oferta de um BMW por mês. É ridículo. Mas... é porreiro pensarmos que somos assim. Não é a perversão de não pagarmos impostos. Devíamos era preocuparmos com todos os impostos e com tudo aquilo que são as falcatruas portuguesas. Estas perversões dão algum ânimo, alguma escrita. Mas também nunca é no sentido de estar a aborrecer, de estar a ser chato. De estar a ser reivindicativo. É brincarmos com as coisas.

Há alguma ironia que vocês já indicaram, mas de certa maneira há um reparo com a ingenuidade.

JB: Sim, sim. Sem dúvida.
NF: A perspectiva é sempre de nós estarmos sempre a olhar para as coisas com algum humor. Não é uma coisa de patetice, não é para animar o povo. Mas rir dizendo alguma coisa. Essa sempre uma das formas mais engraçada de passar a mensagem. Temos isso sim. E aquela ingenuidade até às vezes nos pormenores, aquelas imagens criadas às vezes levam para um universo se calhar mais ingénuo, com uma leveza e singularidade sobre um olhar de uma personagem, como aquela do indiano que quer vender “fror”. Tudo isso são coisas que criam imagens a quem tá a ouvir e que tornam as músicas quase micro-filmes, em que a pessoa se envolve e vê. E eu acho que isso é bonito. Parece que estás a fazer o filme na própria cabeça. Leva-te a pensar nas coisas, na vida. A música deixa de ser só entretenimento e passa a ser algo que despoleta o pensamento. Estar descontraídos a ouvir música e pensar no que nos rodeia. Estamos sempre numa pressa, numa lufa-lufa, que nos impossibilita às vezes de pensar. Escrevemos muito rápido, sabemos comentar muito rápido as coisas, mas não nos apercebemos que falta tanto para ter, antes do impulso da escrita, pensar. Raciocinar, pensar.

Assim sendo, qual é o vosso micro-filme favorito do álbum?

NF: Eish...
JB: Gosto de todos. Este álbum tem... epá, não sei. É o melhor que fizemos. Deixámos muitas músicas de fora. Gosto muito de uma do Figueiredo, adoro a do indiano. Mas gosto muito da “Vidinha”, acho muito engraçada.
NF: Eu gosto muito de muitas. Eu não vou dizer, nem especificar. Há aquela ideia que o pessoal fala e costuma dizer, que no final de fazer o disco que já era capaz de começar de novo e refazer o disco. Eu não tenho essa sensação neste disco.
JB: Eu também não. Aliás, refazê-lo agora era difícil.
NF: Tenho aquela noção de que está, como dizem os brasileiros, supimpa! Tás a ver? É aquilo que lá está. Não saberia fazer melhor. E essa perspectiva é fixe. Tudo o que está ali é o melhor que sabemos fazer neste momento. Saberemos fazer melhor no futuro, mas agora é o melhor. Quando saiu no Meo Music, nessa manhã, fui trabalhar e fiz uma coisa que raramente faço. Depois de estar gravado, muito poucas vezes vou lá. Gosto de recordar muito tempo depois. Ontem comentei que ouvi músicas do primeiro há dias e soube muito bem e estava arrepiado com alguns pormenores. Porque aquilo faz recordar outras coisas que vivemos enquanto estivemos a gravar. Mas coloquei no dia que saiu, pus a ouvir do princípio ao fim e terminei a sorrir. Tava fixe, encheu-me as medidas. Não tenho preferidas, são todas. É como a questão de qual é o filho preferido? São todos.