Baseado no romance “O Mundo Ardente”, da escritora norte-americana Siri Hustvedt, esta é a história de uma escritora e artista plástica obcecada pelo funcionamento da mente consciente, uma mulher branca, privilegiada, de um estatuto social elevado financeiramente, também muito desafogado, mas que apesar de tudo recorre a um estratagema louco para existir, para ter um lugar de fala no mundo das artes, explicou à Lusa a encenadora.

“Isto levou a desenvolver, na adaptação, um lado sobre o funcionamento da mente, sobre o que é a construção da realidade, como cada um de nós constrói a realidade a partir daquilo que vê, de que forma os nossos preconceitos e expectativas determinam aquilo a que chamamos de realidade, acrescentou.

Foi assim que nasceu esta “espécie de brincadeira” à volta da construção da mente de uma escritora a contar a história de uma artista plástica, que por sua vez se revê numa outra mulher apagada pela historia, Margaret Cavendish, uma filósofa natural, que seria uma cientista hoje, interessada pelas mais diversas áreas, desde a literatura à arte, passando pela ciência, e que, “no século XVII, ainda tinha mais dificuldades em existir e dialogar as suas ideias, onde também nós nos espelhamos hoje, porque esse preconceito e desigualdade de género continuam a existir”.

No livro “O mundo ardente”, personagem da artista plástica, sistematicamente menosprezada pelo meio intelectual nova-iorquino, decide levar a cabo uma experiência a que chama “Máscaras” e que consiste em esconder-se por detrás de três identidades masculinas - três artistas que assumem a autoria do seu trabalho e o expõem -, para revelar os preconceitos que imperam no mundo das artes.

Nas palavras de Cristina Carvalhal, este romance não tem a “forma habitual de romance, é organizado por uma série de testemunhos, entrevistas, recolha de artigos, como se houvesse outra caixa dentro desta caixa de contar de uma história, e cada leitor vai construir uma história a partir de organizar toda essa informação, como se a tivesse recolhido de vários cadernos”.

“Isso lançou esta ideia de adaptação para uma coisa de múltiplas vozes a falar, uma espécie de coro que rapidamente se tornou como se fossem as diferentes vozes que habitam a nossa cabeça, ou diferentes linhas de pensamento que nos ocorrem simultaneamente quando pensamos, ou seja, sobre o funcionamento da mente também”.

Esse é o âmago do espetáculo, mas foi também a principal dificuldade em montá-lo – admitiu -, porque ao propor-se reproduzir, “como se fosse possível”, o interior de uma cabeça a funcionar, desde logo surge a ideia da “simultaneidade de pensamentos, de as coisas acontecerem em rede a uma velocidade alucinante, e, com isso, a dúvida: “Como é que se traduz a simultaneidade de coisas a acontecer?”.

Foi isso que a levou a “brincar com vozes e outras camadas de informação, como som, música, vídeo”, criando esta ideia de “caos organizado”.

O espetáculo, que começa com a visualização do poema escrito “The Dying need but little, Dear”, de Emily Dickinson, prossegue com apenas quatro mulheres em palco, que contam uma história, combinando falas alternadas e sobrepostas, sem nunca causar ruído, que se combinam com música e com outros sons – uma fita adesiva que se descola, murros num saco de boxe, o bater nas teclas do piano, papeis a serem amachucados -, numa harmonia de coreografia.

Paralelamente vão sendo exibidos vídeos através de uma câmara que filma alguns detalhes do que se passa em cima do palco.

“No fundo, é a simultaneidade de uma série de linhas de informação a correr ao mesmo tempo, mas que de alguma forma também se relacionem e sejam capazes de, apesar de às vezes poderem ser ilógicas, poderem todas concorrer para serem lidas de outra forma mais tarde, para as pessoas poderem organizar isso mais tarde, quando se começa a dar sentido aos vários elementos ali presentes”, explicou.

Tudo isto, “num universo montado em forma de uma instalação plástica, porque se trata da história de uma artista plástica, portanto, o cenário remete um bocadinho para esse universo da instalação plástica, onde também se justifica a videoarte, o som, a palavra, também escrita, enquanto uma coisa plástica um corpo existente ali”, justificou.

“Sou uma ópera, um tumulto, uma ameaça”, conta com as interpretações de Inês Rosado, Manuela Couto, Rosinda Costa e Sílvia Filipe, e vai estar em cena na sala Mário Viegas, do São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa, até ao dia 10 de outubro.

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