Ao seu interesse pelas periferias romanas e pelos pobres campos do sul italiano, Pier Paolo Pasolini empreendeu também um grande número de viagens pelo chamado “Terceiro Mundo” – sendo África e Ásia visitadas várias vezes ao longo da sua vida.
Para ele não havia uma diferença acentuada entre os diferentes povos: compunham todos uma grande massa de excluídos na distribuição da riqueza. No início dos anos 60, o realizador foi à Índia na companhia do casal de escritores Alberto Moravia e Elsa Morante.
Um belíssimo contraste sobressai na forma como Moravia e Pasolini intitularam os seus relatos: o primeiro, interessado num olhar objetivo para entender a cultura indiana, chamou-lhe “Ideias sobre a Índia”; Pasolini, visceral e deixando-se guiar pelos instintos e pelos sentimentos, intitulou a sua crónica, publicada na revista Il Giorno, de “O Odor da Índia”.
Mesmo assim, foi de Moravia a primeira impressão de que o olfato, “o mais primitivo dos sentidos”, era o mais adequado para captar uma sociedade muito particular.
Já a Índia de 1960 captada pelo realizador estava ainda numa marcha singular entre a languidez ancestral e a modernização industrial do país – com tudo o que isso acarretava.
Mesmo inserido dentro do seu vincado humanismo, o retrato que Pasolini faz da Índia não é complacente, com descrições por vezes chocantes – parecendo retratar um cenário de filmes de “zombies” onde “exércitos” de humanos circulam pelas ruas a esmo, mortos de fome e resignados.
Numa das páginas, por exemplo, escreve ele após entrar numa rua: “Quase todas as casas, a cair, têm na fachada um pequeno alpendre: e aqui... encontro-me diante de um dos factos mais impressionantes da Índia. Todos os alpendres, todos os passeios regurgitam de gente a dormir. Estão deitados no chão, encostados às colunas, aos muros, às grades das portas. Os seus panos cobrem-nos completamente com uma camada de sujidade. O seu sono é tão profundo que parecem mortos envolvidos por sudários rasgados e fétidos”.
O livro “O Odor da Índia” faz parte da coleção de livros de viagens recém lançados pela editora portuguesa Desassossego.
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