“Conta-me, Escuridão”, editado pela Suma, é uma bela incursão no terror – onde os cenários não-urbanos do gótico servem de pano de fundo a oito pequenas histórias marcadas pelo engenho e pela subtileza. As histórias flirtam, aqui e ali, com os artifícios e ambientes mórbidos de Edgar Allan Poe, mostrando que as narrativas contadas pela entidade etérea da “Escuridão” são, efetivamente, assustadoras.

É o caso do terrífico “Tríptico”, que abre o livro com uma pérfida história de um homem aterrorizado pelas três filhas pequenas, ou “O Mundo de Christina”, onde a protagonista sem memória e paraplégica acorda sempre no mesmo lugar depois de escalar uma pequena montanha para pedir ajuda. Em “Caim e Abel”, por sua vez, narra-se a história de uma mulher falecida no parto que continua a amamentar os filhos depois de morta.

REALISMO MÁGICO

Os contos são ilustrados por David Benasulin, cocriador do projeto com Mafalda Santos. Foi, aliás, de quadros que o livro surgiu. “O desenvolvimento começou visualmente, com um desafio entre mim e o David, em que ele me mostrava quadros de alguns pintores contemporâneos dos quais ele gostava”, conta a autora.

O pintor chileno Guillermo Lorca García-Huidobro, que, segundo a escritora, “pinta narrativas que parecem ter saído do realismo mágico de Gabriel García Marquez”, foi uma das grandes influências para os desenhos que ilustram o livro. Os títulos dos seus quadros, assim como os de outros que inspiraram as ilustrações (entre os quais os de artistas como Andrew Wyeth e John Singer Sargent), são os mesmos dos contos.

ESCURIDÃO MUNDIAL

O processo acabou por ser algo orgânico e beneficiou do período problemático da pandemia, que trouxe muitas dificuldades à autora, que perdeu o pai para a COVID-19. “Para além disto, eu trabalho com teatro e ficámos sem trabalho. O meu primeiro livro, de contos de terror, não poderia ter nascido num momento mais apropriado, com tanto sofrimento a nível mundial. Mas da crise nascem coisas fantásticas, temos de nos reinventar. As pessoas sentem uma necessidade de aproximação da arte, um alimento para sobrevivermos quando outras coisas faltam”.

A “escuridão” também inspirou o título. “Pensámos em conjunto, gostei logo da sonoridade, acho muito teatral a ideia de ser esta entidade personificada que é a escuridão a contar-nos uma historia”, observa.

MEDOS INTEMPORAIS

Passadas em interiores ou em cenários naturais, as histórias estão distantes do mundo urbano e remetem às antigas fantasias góticas. Mafalda Santos destaca a intemporalidade destas histórias. “Remetem para o passado, mas de de uma forma que não tem um tempo definido – nem lugares. Os nossos medos são intemporais, há medos profundos, como os da morte, da perda, do desconhecido, do que não compreendemos”, analisa.

Apesar da experiência positiva e do desejo de continuar uma série de contos de terror, a escritora trabalha agora num romance, intitulado “O Outro Lado”.

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