O projeto, promovido pela Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), envolveu, além de artistas profissionais, vários grupos de utentes das respostas sociais da SCMP, nomeadamente crianças e jovens, pessoas com deficiência e/ou incapacidade, idosos, vítimas de violência doméstica e pessoas em situação de emergência social.
“A ópera sempre foi um veículo de intervenção social, outrora, quando estava no seu apogeu na Europa, nós queremos resgatar essa faceta de intervenção social”, explicou à Lusa a diretora artística do Quarteto Contratempus, Teresa Nunes.
No libreto, são vários os testemunhos de mulheres acolhidas na Casa Abrigo de Santo António e são essas vivências de mulheres que sobreviveram à violência em contexto doméstico que o Quarteto Contratempus transportou para palco.
“Ao longo da estrutura de um requiem (missa fúnebre, com um texto fixo litúrgico), uma mulher conta a sua história, o encontro, o casamento, os momentos de tensão e os momentos em que [o agressor] trouxe flores para se reconciliar”, explicou Teresa Nunes.
Quando o público entra na sala, “já tudo aconteceu. A mulher, enrodilhada nas teias da vida traumática, está morta”.
“A peça começa com o funeral, a morte dela já aconteceu e está lá um conjunto de pessoas a testemunhar a sua morte. E, para surpresa dos amigos, ela volta para contar a sua história, que é a mesma de milhares e milhares de mulheres”, disse.
O autor do libreto, Mário João Alves, disse ter sido inspirado pelos testemunhos que ouviu na Casa Abrigo de Santo António, da SCMP.
A este propósito, Mário João Alves escreve: “As flores é coisa com jeito para preencher espaços vazios, físicos, imaginários, afetivos ou quaisquer que possam iluminar-se com estes seres de carne colorida, carne viva e carne signo de lugares opostos que podem ser de aproximação, sofrer, amor ou morte”.
“O lugar-comum das flores, das mulheres, dos ditos e não ditos por razões de silêncio maior é o mesmo lugar onde se entrelaçam dedos de mãos que afagam e dedos que doem. E as flores são luto como são poema”, sustenta.
As flores aparecem simbolicamente nos textos e no coro que canta “Flores, nunca vi tantas flores”, explicou Teresa Nunes.
Segundo o encenador, António Durães, a ópera “Lugar Comum” contraria “o estafado dito popular que manda que ‘entre marido e mulher não metas a colher’” e acrescenta: é “o lugar para nos encontrarmos com esta narrativa, nos desafiarmos a pensar e nos sensibilizarmos para que possamos fazer alguma coisa, agir. E não apenas poeticamente”.
A história é genérica, mas, diz António Durães, “a ficção sofrida dentro da vertigem repetida, é concreta”.
Para o provedor da Misericórdia do Porto, António Tavares, este é “um projeto que se quer transformador, transformador para as vítimas, convertendo as suas experiências traumáticas em exemplo de voz e empoderamento, inspirando outras que agora vivem essa realidade, e transformador para a sociedade, transformando a indiferença e omissões em espelhos de rejeição à violência”.
“Não é ao acaso que decidimos que as portas do espetáculo vão estar abertas, é um convite (que não pode ser recusado) à participação de todos, com o objetivo de sensibilizar, envolver e responsabilizar. Este é um projeto de todos e para todos, porque amanhã todos podemos ser a vítima. Temos de parar, temos de mudar este lugar comum”, afirmou António Tavares.
A composição da obra esteve a cargo de Sofia Sousa Rocha, a encenação é de António Durães, assistência de encenação de Tatiana Rocha e apoio ao movimento de Leonor Keil.
A interpretação é de Teresa Nunes (soprano), Miguel Leitão (tenor), Crispim Luz (clarinete), Manuela Ferrão (violoncelo), Sérgio de A (piano) e Leonor Keil.
No coro participam Ana Rosa, Beatriz Ramos, Natalie Gonçalves e Teresa Queirós.
A entrada para o espetáculo é livre, ficando os bilhetes disponíveis no Rivoli e online, dois por pessoa, a partir das 11h00 de sexta-feira.
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