Abdulrazak Gurnah, escritor de origem tanzaniana premiado esta quinta-feira (7) com o Nobel de Literatura, é um profundo observador dos efeitos do colonialismo e da imigração durante uma carreira de décadas aclamada pela crítica.

"Sou um observador [...] Escrevo o que acontece no mundo em que vivo e atualmente [a questão migratória] é o grande tema, a grande preocupação do mundo em que vivo", declarou Gurnah à agência France-Presse.

"É a história do nosso tempo", insistiu em conversa por telefone o Nobel de Literatura, que se disse "invadido" pelas emoções e "muito orgulhoso" por um reconhecimento "completamente inesperado".

Nascido em 1948 em Zanzibar (Tanzânia), o autor africano começou a escrever aos 21 anos, após se mudar para o Reino Unido no final dos anos 1960 para estudar.

"Em certo sentido, foi algo com que tropecei acidentalmente mais do que o cumprimento de um plano [...] Em grande medida, teve a ver com a avassaladora sensação de estranheza e diferença que ali senti", lembrou em entrevista ao jornal The Guardian.

Passaram quase 20 anos antes da publicação do seu primeiro romance, "Memory of Departure", em 1987. Seguiram-se "Pilgrims Way" um ano mais tarde e "Dottie" em 1990.

Os três livros falam sobre as experiências dos imigrantes no Reino Unido daquela época.

A aclamação por parte da crítica veio com o seu quarto romance, "Paradise" (1994), ambientado no leste da África colonial durante a Primeira Guerra Mundial e que foi finalista do prestigiado Booker Prize britânico.

A sua obra de 1996 "Admiring Silence" narra a história de um jovem que regressa a Zanzibar 20 anos depois da mudança para a Inglaterra, onde se casou com uma britânica e trabalhou como professor.

Migração e identidade

Na sua primeira entrevista à Fundação Nobel, o premiado fez um apelo à Europa para que mude a sua visão dos refugiados da África e reconheça que "eles têm algo a oferecer".

"Não chegam com as mãos vazias", afirmou o escritor, destacando que são "pessoas com talento e energia".

"Percebo que a Academia [sueca] escolheu destacar esses temas que estão presentes em toda a minha obra, é importante abordá-los e falar deles", disse também à agência de notícias britânica PA.

As obras de Gurnah são "dominadas pelas questões de identidade e deslocamento, e como estas são moldadas pelos legados do colonialismo e da escravidão", escreveu sobre ele o académico Luca Prono no "site" do British Council, organismo público que promove a cultura britânica.

"Todos os relatos de Gurnah baseiam-se no impacto que emigrar para um novo contexto geográfico e social tem na identidade das suas personagens", destacou.

"As questões que apresento não são novas", reconheceu o escritor ao jornal The Guardian ao comentar o seu trabalho. "Mas se não são novas, são fortemente influenciadas pelo particular, pelo imperialismo, pelo deslocamento, pelas realidades do nosso tempo", considerou.

"E uma das realidades do nosso tempo é o deslocamento de tantos estrangeiros para a Europa", completou.

Assim, em 2002, com "By the Sea" ["Junto ao Mar", o único livro editado em Portugal, pela Difel], Gurnah voltou a abordar o tema com a história de Saleh Omar, um requerente de asilo que acaba de chegar ao Reino Unido.

As suas últimas obras incluem "Desertion", de 2005, pré-selecionado para o prémio de escritores da Commonwealth de 2006, e "The Last Gift" (2011), que a revista Publishers Weekly descreveu como um "romance inquietante, com uma trama sólida, com reflexões poderosas sobre a mortalidade, o peso da memória e a luta para estabelecer uma identidade pós-colonial".

O romance mais recente de Gurnah, "Afterlives", foi lançado no ano passado e conta a história de um rapaz que foi vendido às tropas coloniais alemãs.

O escritor aposentou-se recentemente como professor de Literatura Inglesa e Pós-Colonial na Universidade de Kent e vive em Brighton, sul da Inglaterra.

Bashir Abu-Manneh, chefe do departamento de Literatura Inglesa, destacou esta quinta-feira a sua "luta pela voz individual, pela justiça, por se sentir em casa num mundo que muda sempre".

"Ninguém que escreve hoje em dia articulou tão bem as dores do exílio e as recompensas do pertencimento. Canterbury e Kent são, por sua vez, o seu exílio e o seu lar", acrescentou.

(Notícia atualizada à 00h54)