"Poder y Musica Clásica en el Portugal del siglo XX" é o resultado da tese de doutoramento que defendeu em maio do ano passado na Universidade Carlos III, em Madrid e que estará disponível em formato livro e ‘ebook’ “nas plataformas habituais” nas próximas semanas, disse o músico à agência Lusa.

O título do livro recorda um outro, "Música e Poder" (2011), do compositor António Pinho Vargas, mas Borralhinho declarou à Lusa que cita “muito brevemente o António Pinho Vargas no [seu] livro, mas as publicações, apesar de os títulos poderem sugerir uma aproximação, são muito distintas".

Borralhinho publica o livro em espanhol porque considera "necessário que se fale mais do âmbito da música em Portugal no estrangeiro", apesar de que o tema esteja "absolutamente focado em Portugal".

"A quantidade de investigações sobre Portugal, tanto em Espanha como pelo mundo fora, são lamentavelmente escassas e insuficientes. O meio musical português e a música portuguesa merecem muito mais atenção, por vários motivos", referiu.

Apesar de reconhecer "não ser, em princípio, aconselhável fazer uma investigação académica sobre um espaço temporal tão extenso", Borralhinho considerou "muito interessante o facto de Portugal ter tido quatro regimes fundamentalmente distintos ao longo do século XX, desde a monarquia à democracia passando pela Primeira República e pela ditadura.

Por isso, o autor resolveu "assumir o risco de fazer uma análise histórica e comparativa da relação do âmbito musical erudito ou dito ‘clássico' com as diferentes formas de poder".

Bruno Borralhinho disse à Lusa que "o marco teórico acabou por ser uma conjugação de vários domínios científicos: da história à ciência política, passando pela sociologia ou a musicologia, o que vai aliás ao encontro da diversidade implícita às humanidades, precisamente o departamento onde esteve inserida a investigação".

Sobre os resultados da sua investigação, o autor adiantou que, "de um modo geral, é previsível que a relação de um determinado setor da sociedade com o poder seja muito distinto numa ditadura e numa democracia”.

“Ainda assim, analisando casos concretos e modelares de instituições, categorias ou personalidades do setor musical, é possível encontrar muitas contradições", afirmou.

A conclusão "mais impressionante" a que chegou "foi que as mudanças de regime não significaram diferenças demasiado substanciais para a generalidade do setor musical".

"Apesar das naturais alterações políticas, legislativas e estruturais, mais ou menos percetíveis dependendo do caso, os problemas e carências mais relevantes do âmbito musical sobreviveram às quedas e implantações de regimes”, realçando que quando se fala “de quedas, implantações, revoluções e outras que tais, por vezes nem se observou um corte tão brusco com o passado como seria de esperar”.

“Algumas revoluções foram previsíveis e estavam ‘anunciadas' há vários anos, outras foram mais espetaculares, mas o resultado foram vários anos de instabilidade e incerteza política e social que não permitiram implementar logo as desejadas alterações", disse o maestro.

Questionado pela Lusa se as elites nacionais são interessadas na ‘música clássica', Bruno Borralhinho afirmou: "O ato de generalizar é melindroso porque é possível encontrar casos e exemplos que talvez contrariem essa mesma generalização, mas atrevo-me a afirmar que, se falarmos num interesse protetor, realmente dinamizador e que existe para fomentar, desenvolver e potenciar o âmbito da música clássica, então as elites nacionais não têm demonstrado tanto interesse como seria pertinente e necessário".

"É curioso observar que, por exemplo, se para [António de Oliveira] Salazar a música clássica eram os festins no São Carlos e pouco mais, o António Ferro, que liderou a propaganda do Estado Novo durante vários anos, demonstrou um interesse substancial pelo setor da música clássica e pelas artes em geral e, naturalmente segundo os seus critérios e interesses políticos, conseguiu canalizar recursos e realizar projetos que o ‘interesse' de Salazar não fariam prever", disse Borralhinho.

O maestro e violoncelista afirmou que "o processo socio-comunicativo ao longo do século XX foi pautado por altos e baixos, momentos (poucos) de incrível afinidade e momentos (muitos) em que os atores do âmbito cultural ou musical tentavam infiltrar os corredores do poder, mas não passavam do portal e inclusivamente batiam com o nariz na porta".

"É muito fácil dizer que o Estado não apoiou o suficiente, mas a verdade é que o setor cultural, como outros, também teve sempre alguma tendência para ficar à espera do manto protetor dos sucessivos governos, independentemente da cor ou do feitio", salientou Borralhinho, acrescentando: "Claro que é um dever do Estado proteger e fomentar o âmbito cultural, mas os próprios agentes culturais podem, em muitos casos, fazer um esforço maior na criação de mecanismos de autonomia e autossuficiência que garantam, no mínimo, a sobrevivência".

O maestro e violoncelista Bruno Borralhinho nasceu em 1982, na Covilhã, distrito de Castelo Branco, é membro da Orquestra Filarmónica de Dresden na Alemanha e diretor artístico do Ensemble Mediterrain. Apresenta-se regularmente como solista com orquestra, em recitais, com piano e em concertos de música de câmara.

Como maestro, dirigiu múltiplas orquestras a nível nacional e internacional, tendo colaborado com solistas como Camilla Nylund, Tara Erraught ou Lothar Odinius.

Em junho fará a sua estreia oficial à frente da Orquestra Filarmónica de Dresden, com o pianista espanhol Javier Perianes como solista.

Como violoncelista, tem orientado ‘masterclasses’ em Portugal, Espanha e Brasil, e interpretou, em 2008, a integral das Suites para Violoncelo Solo de J. S. Bach com o violoncelo "Montagnana" que pertenceu a Guilhermina Suggia (1885-1950).

Em 2009, gravou o álbum duplo "Página Esquecida" com a pianista Luísa Tender e, em 2016, gravou para o selo discográfico Naxos, acompanhado pela Orquestra Gulbenkian, ambos projetos inteiramente dedicados à música portuguesa.

Em 2018, Borralhinho gravou obras de Richard Strauss, Alexander von Zemlinsky e Gustav Mahler, com o pianista Christoph Berner, para a discográfica alemã ARS.

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