“Pessoa. Uma biografia” é a história de vida de Fernando Pessoa, contada ao longo de mais de mil páginas, incluindo imagens, pelo escritor e tradutor norte-americano Richard Zenith, que há décadas se dedica a estudar Fernando Pessoa e que mergulhou durante 13 anos na empreitada de reconstituir a sua vida, praticamente a partir da obra.

“A minha pátria é a língua portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa, que viveu vários anos em Durban, África do Sul, e escreveu bastante em inglês, a mesma língua em que foi publicada a primeira versão desta biografia, em julho do ano passado, e que foi finalista dos Prémio Pulitzer.

A versão em língua portuguesa chega no dia 19 às livrarias, editada pela Quetzal e traduzida por Salvato Teles de Menezes e Vasco Teles de Menezes.

Numa apresentação à imprensa hoje, Richard Zenith falou da dificuldade de conhecer a vida pessoal do poeta, sempre muito reservado e solitário, e da forma como a sua obra se constituiu a principal fonte de investigação, por ser muito autobiográfica.

“Nunca tinha escrito uma biografia, então era uma aprendizagem, como o fazer. Só reunir todos os factos já era bom. Mas depois relacionar as várias facetas da vida, de modo a revelar quem era Fernando Pessoa e mergulhar em toda a história, os lugares onde viveu e fazer disso um livro, contar uma história, a história de uma vida”, afirmou.

No final, sente que ficou a “conhecer bastante mais” Fernando Pessoa, mas reconhece que o poeta “ficará sempre um mistério”.

Richard Zenith

“No início do processo de escrita, tinha dificuldade em entrar. Ele frequentava tertúlias nos cafés, mas era solitário. Era social, tinha amigos, tinha também sentido de humor, mas era reservado. Onde se revela é na escrita literária, só que aí era um fingidor muitas vezes. Tive que proceder cautelosamente para encontrar Pessoa lá”, contou.

O processo de escrita foi “muito difícil”, confessa, contando que inicialmente pensou escrever na primeira pessoa, como se “Pessoa, em espírito, no Além, estivesse a lembrar a sua vida”, mas acabou por perceber que não resultava.

Ao longo deste processo de escrita, a relação de Richard Zenith com Pessoa é como a de um “psicanalista, que ouve, ouve, ouve…”

“Eu senti-me nesse papel com Fernando Pessoa, mergulhando nos seus papéis, na sua obra, para tentar entrar. Tentei pôr lá os elementos todos, para que os leitores conseguissem sentir Fernando Pessoa e ter a experiência de convivência”, contou.

Uma das maiores dificuldades com que se deparou foi o interesse do poeta pelos assuntos espirituais, que era um tema importante para Fernando Pessoa.

“Então mergulhei muito nisso, para entender o assunto, e nessa zona do mundo de Fernando Pessoa há muitos inéditos, apontamentos muito misturados, mas que para um investigador faz sentido. Entrando nesse labirinto de textos, para perceber se acreditava ou não, e em quê, porque Fernando Pessoa nunca está quieto”.

Por isso, todos esses assuntos esotéricos e de religião foram “um grande desafio, sentir o que representava para Fernando Pessoa e porquê, porque são assuntos bastante técnicos”, acrescentou.

Além da obra, que foi a principal fonte de pesquisa do biógrafo, Zenith recorreu ao espólio do autor de “Mensagem”, que continha diversas notas do quotidiano, como dinheiro que devia, encontros marcados, papéis dos tempos em que viveu em Durban – durante a infância e adolescência, período em que o padrasto trabalhou nessa cidade como cônsul português -, ou cartas inéditas, nomeadamente da mãe, ou do dono de uma mercearia na Rua Coelho da Rocha, onde “Fernando Pessoa comprou muitas coisas, incluindo aguardente”.

Outra fonte fundamental para este trabalho foram cartas escritas por um tio a Fernando Pessoa quando este tinha 8 anos.

O tio Cunha e a mulher, a tia Maria, não tiveram filhos e como adoravam Fernando Pessoa, praticamente adotaram-no, especialmente após a morte do pai (quando tinha 5 anos).

Fernando Pessoa passava muitos fins de semana em Pedrouços, em casa dos tios, e o tio Cunha “tinha essas brincadeiras com Fernando Pessoa, de inventar personagens, que depois ficavam, como numa telenovela”, e este jogo dos ‘alter egos’ terá sido o início da criação do mundo imaginário de Pessoa, povoado por, pelo menos, 47 identidades em que Fernando Pessoa se multiplicou, incluindo os três heterónimos plenamente desenvolvidos – Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis –, indexados no início da biografia.

Esta obra monumental, que conta um total de 1.184 páginas, é a mais completa desde a de João Gaspar Simões, publicada em 1950 e que, sabe-se agora, tem algumas informações erróneas.

No entanto, Richard Zenith lembra que, na altura, muita da obra de Fernando Pessoa ainda estava por publicar – “Mensagem” foi a única publicada em vida do autor -, e as exigências eram diferentes, pelo que se conhecia muito pouco do poeta e o trabalho de pesquisa estava bastante mais dificultado.

“A biografia de João Gaspar Simões foi pioneira, foi importantíssima, e [ele] teve o mérito de perceber que Fernando Pessoa merecia uma biografia”, destacou.

Relativamente às novidades que a sua biografia introduz, Richard Zenith aponta uma série de dados sobre a infância e juventude do poeta, dando “um retrato completamente novo sobre essa fase” da sua vida, todo o trabalho de contextualização, nomeadamente do tempo e dos lugares onde viveu, aspetos relacionados com o interesse de Fernando Pessoa nos assuntos espirituais e alguns novos dados sobre a sua sexualidade.

Richard Zenith nasceu em Washington D.C. em 1956 e veio para Portugal em 1987, com o objetivo de traduzir cantigas trovadorescas. Foi nessa altura que descobriu o “Livro do Desassossego”, publicado pela primeira vez em 1982 pela Ática.

Como tinha vivido no Brasil e aprendido português, e percebendo que não havia nenhuma tradução dessa obra para inglês, montou um projeto e traduziu-a na íntegra.

Foi por volta de 2003, quando organizou uma edição especial de “Escritos autobiográficos automáticos”, na qual Fernando Pessoa estava em contacto com espíritos e escrevia quase sempre em inglês, que começou a pensar realmente na biografia.

“Foi o meu agente literário em Nova Iorque que me empurrou para esta biografia. Achei que era dois ou três anos e que era um livro de 160 mil palavras. Acabou em 360 mil, nunca imaginei”, disse.

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