O tempo dedicado aos Philharmonic Weed, aos Cacique 97 e aos Cool Hipnoise acabou por ir adiando uma vontade que “sempre existiu” e que Moçambique acabou por inspirar. “Fui deixando essa parte do trabalho a solo um bocadinho para trás. Ia compondo e fazendo coisas, mas nunca chegava a acabar os temas. Só em 2018/19 é que consegui ter algum tempo para me dedicar a isso e no ano passado consegui acabar o álbum finalmente”, contou o músico, em declarações à Lusa.

Milton Gulli nasceu e cresceu em Portugal, filho de pais moçambicanos. Em 2011, decidiu mudar-se para Moçambique, onde começou “logo a trabalhar com vários artistas” e acabou por criar uma editora discográfica, a Kongoloti Records.

“Ir viver para Moçambique foi uma experiência completamente diferente. Nasci em Portugal, passei a minha vida em Portugal, mas, apesar de ser filho de pais moçambicanos e ter sempre lidado com a cultura moçambicana, nunca tinha estado a viver num país africano”, contou.

Para Milton Gulli, a mudança acabou por ser “uma espécie de choque cultural, mas ao mesmo tempo a descoberta de muitas coisas, muitos sons, outra maneira de estar na vida, outra maneira de se fazer as coisas”. “E o álbum é muito o retrato disso tudo”, disse.

“Quotidiano” acabou por ser feito “quase todo em Moçambique”. “No ano passado decidi regressar a Lisboa e fiz os últimos ajustes, misturas, masterizações”, contou.

As letras, onde conta o que viu, sentiu, ouviu, cheirou e vivenciou, são, como “sempre foram, muito de intervenção”.

“São raros os temas que tenho que falam de amor ou outros assuntos. Acho que 90% das minhas letras sempre foram letras de intervenção, se temos uma plataforma para poder falar, temos que aproveitá-la ao máximo”, disse.

Em termos sonoros, “Quotidiano” é “uma mistura” de tudo o que Milton Gulli foi fazendo ao longo da carreira: “funk, soul, música africana, um bocadinho de hip-hop, de jazz também, reggae, música eletrónica, é um bocado um caldeirão disso tudo”.

Apesar disso, o músico sente que “se consegue ver um fio condutor nos temas todos do álbum”. “Como fui eu que produzi as músicas todas, acho que facilmente se percebe que aquilo é a música do Milton, e as letras também e a minha maneira de cantar. Acho que as pessoas já se habituaram a ver-me trabalhar nesses vários géneros”, referiu.

Embora nos vários projetos Milton Gulli tenha sempre escrito e cantado temas tanto em português como em inglês, em “Quotidiano” fez “questão de haver mais músicas em português”.

No álbum há apenas um tema que sentiu que “faria mais sentido” ser cantado em inglês: “This is only sweet”, “um tributo à música reggae dos anos 1960/70, que saía de Inglaterra, dos imigrantes jamaicanos”.

Em “Quotidiano” ouve-se também uma das línguas de Moçambique, changana, pela voz do poeta moçambicano Tchaka Waka Bantu, que “todos os poemas que escreve são em changana, do Sul de Moçambique e também uma das línguas que se fala em Maputo”.

“Espero nos meus próximos discos incluir mais línguas de Moçambique. São línguas que não se ouvem muito no resto do mundo e acho que precisam de começar a ser valorizadas”, defendeu Milton Gulli.

A apresentação ao vivo de “Quotidiano”, que tem edição internacional pela britânica Tangential Records, está marcada para 23 de março no Musicbox, em Lisboa.

Em palco, a acompanhar Milton Gulli estarão Marcos Alves na bateria, Renato Chantre no baixo, Diogo Santos nos teclados e Hugo Menezes nas percussões.